E se um gás usado em anestesia se tornasse uma arma contra a doença de Alzheimer? Um estudo recente revela que o xénon, um gás nobre, poderia proteger o cérebro ao reduzir a inflamação e as lesões cerebrais.
Esta descoberta abre novas perspectivas para milhões de pacientes afetados por esta doença neurodegenerativa. Os investigadores estão agora a explorar o seu potencial terapêutico, com ensaios clínicos previstos para 2025.
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A doença de Alzheimer: um desafio médico persistente
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, caracterizada por uma perda progressiva de memória e funções cognitivas. Os tratamentos atuais, como os inibidores da colinesterase, aliviam os sintomas sem retardar a progressão da doença.
As placas amiloides, acumulações de proteínas tóxicas no cérebro, desempenham um papel central na degeneração neuronal. Apesar dos avanços, nenhum tratamento atua eficazmente sobre estas placas ou a inflamação cerebral associada.
O xénon: um gás com múltiplas propriedades
O xénon, um gás usado em anestesia e imagiologia médica, tem a capacidade de atravessar facilmente a barreira hematoencefálica. Esta particularidade torna-o um candidato ideal para atuar diretamente no cérebro.
Estudos pré-clínicos mostram que o xénon ativa as micróglias, células imunitárias cerebrais. Estas células, uma vez estimuladas, reduzem a inflamação e eliminam as placas amiloides, retardando assim a degeneração neuronal.
Resultados promissores em ratos
Num estudo publicado na
Science Translational Medicine, ratos geneticamente modificados para desenvolver Alzheimer inalaram xénon. Os investigadores observaram uma redução da atrofia cerebral e da inflamação, bem como uma melhoria das funções cognitivas.
Estes resultados sugerem que o xénon poderia não só retardar a progressão da doença, mas também proteger os neurónios existentes. Estes efeitos poderiam ser aplicáveis a outras doenças neurodegenerativas.
Rumo a ensaios clínicos em humanos
Um ensaio clínico de fase 1 está previsto para 2025, com o objetivo de avaliar a segurança e eficácia do xénon em voluntários saudáveis. Se os resultados forem conclusivos, este gás poderá tornar-se um tratamento complementar para o Alzheimer.
Os investigadores também planeiam estudar o seu potencial noutras patologias, como a esclerose múltipla ou a doença de Charcot. O xénon, já conhecido pela sua segurança, poderia assim oferecer uma nova abordagem terapêutica.
Uma esperança para os pacientes e suas famílias
Com o aumento dos casos de Alzheimer em sociedades envelhecidas, a descoberta do potencial do xénon é um raio de esperança. Embora ainda haja etapas a superar, esta abordagem poderia transformar o tratamento desta doença devastadora.
Os investigadores mantêm-se cautelosos, mas otimistas. Se os ensaios clínicos confirmarem estes resultados, o xénon poderá marcar uma viragem no tratamento das doenças neurodegenerativas.
Para saber mais: O que é a micróglia e qual o seu papel no cérebro?
A micróglia é um tipo de célula imunitária presente no cérebro e na medula espinhal. Estas células desempenham um papel essencial na proteção do sistema nervoso central contra infeções, lesões e detritos celulares.
Em condições normais, a micróglia monitoriza constantemente o ambiente cerebral. Quando deteta uma ameaça, como inflamação ou proteínas mal dobradas, ativa-se para eliminar agentes patogénicos e reparar tecidos danificados.
Em doenças como o Alzheimer, a micróglia torna-se disfuncional. Em vez de proteger o cérebro, contribui para a inflamação crónica e a destruição de neurónios. Esta desregulação agrava os sintomas da doença.
Investigações recentes mostram que a estimulação da micróglia, por exemplo com xénon, pode restaurar a sua função protetora. Isto abre caminho para novas terapias para doenças neurodegenerativas, onde a micróglia desempenha um papel central.
O que é a barreira hematoencefálica e por que é importante?
A barreira hematoencefálica (BHE) é uma membrana protetora que separa o sangue do cérebro. É composta por células endoteliais estreitamente ligadas, formando uma barreira seletiva que regula as trocas entre o sistema sanguíneo e o sistema nervoso central.
Esta barreira protege o cérebro de substâncias tóxicas e agentes patogénicos presentes no sangue. Permite a passagem de nutrientes essenciais, como a glucose e os aminoácidos, enquanto bloqueia moléculas indesejáveis.
No entanto, a BHE representa um desafio para o tratamento de doenças cerebrais. A maioria dos medicamentos não consegue atravessá-la, limitando a sua eficácia. Apenas algumas moléculas, como o xénon, conseguem fazê-lo naturalmente.
Compreender e contornar a BHE é um grande desafio na medicina. Investigações exploram métodos para administrar tratamentos diretamente no cérebro, abrindo novas perspetivas para o tratamento de doenças como o Alzheimer ou a esclerose múltipla.
Autor do artigo: Cédric DEPOND
Fonte: Science Translational Medicine