Uma equipa internacional lançou um programa ambicioso que visa mapear exoplanetas situadas em torno do "deserto dos Neptunos quentes", uma zona em torno da estrela onde os planetas do tipo Neptuno estão amplamente sub-representados.
O objetivo: compreender melhor os mecanismos de evolução e formação dos sistemas planetários. Esta colaboração, batizada ATREIDES, apresenta os seus primeiros resultados com a observação do sistema planetário TOI-421. A análise deste sistema revela uma arquitetura orbital surpreendentemente inclinada, oferecendo um novo vislumbre da história caótica destes mundos distantes. Este estudo inaugural é publicado na revista
Astronomy & Astrophysics.
Ilustração artística. © Elsa Bersier - CFPArts / ESBDi Genebra
Quais são os mecanismos físicos que governam a formação e a evolução dos sistemas planetários? Para responder a esta vasta questão, um grupo de cientistas liderado pelo Departamento de astronomia da UNIGE decidiu concentrar-se num tipo preciso de exoplanetas: as exo-Neptunos, planetas fora do nosso sistema solar cerca de vinte vezes mais massivos que a Terra.
Compreender os mecanismos que esculpem o deserto dos Neptunos quentes, a savana e a crista permitirá compreender melhor a formação planetária no seu conjunto.
Esta última década, os cientistas fizeram descobertas importantes em matéria de distribuição - ou seja, de repartição - das exoplanetas. Eles e elas constataram que nas regiões muito próximas das estrelas, as exo-Neptunos estão ausentes. Em contrapartida, estudos recentes, nos quais a UNIGE participou, mostram que em zonas um pouco mais afastadas das estrelas - uma região na distribuição das exoplanetas mais temperada e chamada "savana" - este tipo de planetas está mais presente. E que existe entre esta savana e o deserto uma região chamada "crista neptuniana", onde elas estariam mesmo em excesso em relação às outras duas regiões.
"A complexidade da paisagem exo-neptuniana é uma verdadeira janela sobre os processos de formação e evolução dos sistemas planetários. É isso que motivou a ambiciosa cooperação científica ATREIDES, que se apoia nomeadamente num vasto programa de observação que conduzimos nos maiores telescópios europeus - os VLT do ESO - com o espectrógrafo mais preciso do mundo, ESPRESSO", detalha Vincent Bourrier, mestre de ensino e de investigação no Departamento de astronomia da Faculdade de ciências da UNIGE, investigador principal do programa ATREIDES e primeiro autor do estudo inaugural.
Este gráfico situa as exoplanetas em função do seu tamanho e da sua distância em relação à sua estrela. Cada ponto representa uma exoplaneta. Planetas do tamanho de Júpiter (situadas no topo do gráfico) e planetas do tamanho da Terra e das super-Terras (em baixo) encontram-se tanto perto como longe da sua estrela. Mas os planetas do tamanho de Neptuno (no meio), próximos da sua estrela, são raros.
Este chamado deserto de Neptuno quente mostra que tais mundos extraterrestres são raros, ou que eram abundantes numa certa época, mas desapareceram desde então. Em vermelho GJ3470b, uma Neptuno quente no limite do deserto.
À conquista do "deserto"
O programa ATREIDES foca-se assim nas exo-Neptunos para identificar os processos responsáveis pela crista, pela savana e pelo deserto e daí extrair informações mais gerais sobre a formação e a evolução dos planetas. Os cientistas planificam por um lado a observação de um grande número de Neptunos com ESPRESSO e, por outro lado, a análise e a modelização dos dados de todos os planetas num quadro homogéneo e coerente. Esta abordagem sistemática deve permitir uma verdadeira comparação entre os diferentes sistemas planetários e uma melhor compreensão dos mecanismos que moldam esta paisagem neptuniana complexa.
Concebida como uma iniciativa comunitária aberta e internacional, a colaboração ATREIDES convida todos os astrónomos e astrónomas interessados a juntar-se a este esforço científico, à imagem da Universidade de Warwick. "Utilizamos os telescópios NGTS, um programa de observação das exoplanetas pelo método dos trânsitos, para observar o trânsito destas Neptunos e assim otimizar a nossa utilização do ESPRESSO/VLT. Podemos então obter medições muito mais precisas ou ainda identificar processos, tais como as erupções estelares, que poderiam influenciar os dados ESPRESSO", indica Daniel Bayliss, professor associado no Departamento de física da Universidade de Warwick.
TOI-421: uma arquitetura orbital "desalinhada"
O primeiro sistema observado e analisado no âmbito do ATREIDES chama-se TOI-421. Possui dois planetas: uma Neptuno quente TOI-421 c situada na savana e um planeta mais pequeno, e mais próximo da estrela, TOI-421 b. Os astrónomos puderam reconstituir a história caótica deste sistema.
Uma das hipóteses do programa ATREIDES estipula que a paisagem neptuniana foi esculpida pela maneira como estes planetas migraram do seu local de nascimento para as suas órbitas atuais. Certos planetas migrariam suavemente e precocemente através do disco de gás no qual se formaram, um processo que deve produzir órbitas alinhadas. Outros seriam violentamente propulsionados nas suas órbitas muito mais tarde, através de um processo caótico chamado "migração de alta excentricidade", que dá origem a órbitas fortemente desalinhadas.
Uma das variáveis chave desta hipótese é portanto o alinhamento entre o plano equatorial da estrela e o plano orbital de cada planeta. Medindo este alinhamento para TOI-421, os cientistas puderam mostrar que os dois planetas do sistema estão fortemente desalinhados, o que é muito diferente do nosso sistema solar onde os planetas estão alinhados e giram portanto quase no plano equatorial do nosso Sol. Isso aponta para uma história agitada durante a evolução do sistema TOI-421 após a sua formação.
A análise de TOI-421 é apenas uma amostra da colheita futura. Ela traz informações preciosas aos cientistas mas permite, também e sobretudo, aperfeiçoar as ferramentas de análise e de modelização desenvolvidas na colaboração ATREIDES. Um grande número de sistemas planetários que albergam exo-Neptunos deverá contudo ser observado e analisado com o mesmo rigor antes de se poderem desenhar as grandes linhas que permitam a compreensão da evolução e da formação dos sistemas planetários.
"Compreender bem os mecanismos que esculpem o deserto dos Neptunos quentes, da savana e da crista permitirá compreender melhor a formação planetária no seu conjunto...mas há fortes probabilidades de que o Universo nos reserve outras surpresas, que nos forçarão a desenvolver novas teorias", conclui Vincent Bourrier.
Fonte: Universidade de Genebra