Por que o Universo existe em vez de ter sido aniquilado logo após o seu nascimento? Esta questão fundamental na física encontra uma nova luz graças a uma colaboração inédita entre dois grandes experimentos científicos.
Os neutrinos, essas partículas fantasmagóricas que atravessam a matéria quase sem interagir, podem guardar a chave para este enigma. O seu estudo preciso permite explorar por que a matéria sobreviveu à antimatéria durante os primeiros instantes cósmicos.
Interior do detector Super-Kamiokande.
Crédito: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo
Pela primeira vez, os experimentos T2K no Japão e NOvA nos Estados Unidos uniram os seus dados. Eles produzem feixes de neutrinos enviados para detectores próximos e distantes, ao longo de centenas de quilômetros. Este método permite observar como essas partículas mudam de tipo enquanto viajam, um fenômeno chamado oscilação (ver abaixo).
Os resultados combinados, publicados na
Nature, oferecem medições muito precisas deste comportamento. Eles ajudam a determinar a ordem das massas dos neutrinos, ou seja, quais tipos são os mais leves. Esta informação influencia a possibilidade de uma violação da simetria entre matéria e antimatéria (explicação no final do artigo).
Se os neutrinos e os antineutrinos se comportam de maneira diferente, isso pode explicar o desequilíbrio observado no Universo. Apesar de avanços muito bons, os dados atuais ainda não permitem decidir significativamente. Este estudo representa um esforço global envolvendo centenas de investigadores de muitos países.
Os experimentos continuam a recolher dados para refinar as análises futuras.
A oscilação dos neutrinos
Os neutrinos existem sob três formas, ou sabores: eletrónico, muónico e tauónico. Ao longo do seu deslocamento, eles podem passar espontaneamente de um sabor para outro. Este fenômeno, denominado oscilação, depende das suas massas e das distâncias percorridas.
A oscilação ocorre porque cada sabor é uma mistura de três estados de massa distintos. Esses estados evoluem de maneira diferente no espaço, o que provoca mudanças periódicas no sabor detetado. É um pouco como se uma cor mudasse para outra em função do caminho seguido.
Os experimentos como o T2K e o NOvA medem essas oscilações enviando feixes de neutrinos por longas distâncias. Comparando os sabores na partida e na chegada, os físicos podem deduzir parâmetros-chave, tais como as diferenças de massa entre os estados.
Esta compreensão é essencial para explorar questões mais amplas, como a assimetria entre matéria e antimatéria. A oscilação dos neutrinos representa assim uma janela para processos fundamentais que moldaram o Universo.
A simetria CP e o seu papel cósmico
A simetria CP é um princípio da física das partículas que postula que as leis deveriam ser idênticas para a matéria e a antimatéria após inversão da carga e da paridade. Em outras palavras, um processo e a sua imagem espelhada com antipartículas deveriam ocorrer com a mesma probabilidade.
Se esta simetria for violada, isso significa que a matéria e a antimatéria não se comportam exatamente da mesma maneira. Tais violações já foram observadas noutras partículas, mas são demasiado fracas para explicar a predominância da matéria no Universo observável.
Os neutrinos oferecem um terreno promissor para detetar uma violação da simetria CP mais significativa. Se as oscilações dos neutrinos e dos antineutrinos diferirem, isso indicaria uma assimetria que pode ter influenciado a evolução cósmica precoce.
A pesquisa atual visa medir com precisão essas diferenças de comportamento. Os resultados podem ajudar a compreender por que o Universo contém hoje principalmente matéria, permitindo a existência de galáxias, estrelas e vida.
Fonte: Nature