Imagine que você toca um objeto no escuro total. Alguns minutos depois, você o reconhece sem dificuldade... apenas olhando para ele. Sem pensar, você acabou de fazer algo notável: conectou dois sentidos diferentes — o tato e a visão — para compreender uma mesma realidade.
Mas como o cérebro consegue esse feito? É uma mágica do pensamento ou um mecanismo mais preciso e localizado? Essa é exatamente a questão que uma equipe da Universidade de Genebra (UNIGE) quis esclarecer. E o que eles descobriram pode mudar nossa compreensão da inteligência — tanto humana quanto artificial.
Um GPS sensorial escondido no cérebro
O cérebro é capaz de verdadeiros truques de mágica. Ele pode, por exemplo, aprender com um sentido (como a visão) e reutilizar esse conhecimento com outro (como o tato). Essa capacidade de
abstração sensorial é um fundamento da inteligência. No entanto, não se sabia exatamente onde isso acontecia.
A equipe da UNIGE realizou experimentos com camundongos para descobrir. O princípio: ensiná-los a diferenciar estímulos vindos de cima ou de baixo, primeiro pelo tato, usando seus bigodes. Se respondessem corretamente, recebiam uma recompensa. Em uma semana, as regras eram aprendidas.
Mas o mais fascinante ainda estava por vir.
Quando os bigodes dão lugar à luz
Uma vez treinados, os pesquisadores substituíram os estímulos táteis por sinais visuais — uma sombra que passava pela parte superior ou inferior do campo de visão. E então, surpresa: sem treinamento específico, os roedores continuavam a responder corretamente, como se o cérebro tivesse automaticamente transferido o que havia aprendido pelo tato para a visão.
Este camundongo está entre luzes vermelhas e azuis que representam as partes inferior e superior do espaço ao seu redor, onde o tato e a visão convergem.
© Sami El-Boustani
Era a prova de uma generalização sensorial: uma espécie de "tradução instantânea" entre os sentidos.
Um ator-chave: a área RL
Ao observar de perto a atividade cerebral desses camundongos, os pesquisadores descobriram uma região muito específica do cérebro: a área RL (rostro-lateral), localizada na parte superior do córtex. É lá que as informações táteis e visuais se encontram.
Quando essa área era desativada, os camundongos perdiam a capacidade de generalizar entre os sentidos, mesmo que ainda soubessem aprender bem com um sentido de cada vez. Melhor ainda: ao estimulá-la, os pesquisadores podiam ativar artificialmente essa capacidade.
"A área RL age como um tradutor sensorial. Ela ajuda a entender que o que se sente com os bigodes no escuro é o mesmo que se vê depois em plena luz", resume Giulio Matteucci, coautor do estudo.
Impactos muito reais
Essa descoberta abre muitas possibilidades. Na medicina, pode ajudar a entender melhor certos distúrbios sensoriais, nos quais o cérebro tem dificuldade em integrar corretamente as informações. E na inteligência artificial, oferece um modelo inspirador: sistemas capazes de
abstrair dados para passar da imagem ao som, ou do texto ao vídeo, como nosso cérebro faz naturalmente.
Uma bela ilustração de como uma pequena região do cérebro pode revelar um imenso potencial de inteligência... e inovação.
Fonte: Universidade de Genebra