Por Crystal Morin, Louise Maille, Mathieu Giraudeau, Orsolya Vincze e Stève Desaivre - Universidade La Rochelle
Com mais de 10 milhões de mortes por ano em humanos, o
câncer representa a
segunda causa de mortalidade no mundo. O número de casos está em
constante aumento nas últimas décadas, um fenômeno frequentemente atribuído ao envelhecimento da população, à crescente exposição a poluentes ambientais potencialmente cancerígenos, como
pesticidas, e ao aumento da taxa de obesidade em muitos países.
Como outros animais de grande porte, o elefante desenvolve menos cânceres do que os humanos, mesmo vivendo mais e possuindo muitas células que podem evoluir para tumores.
Imagem de ilustração Pixabay
Mas os humanos não são a única espécie afetada pelo câncer. De fato, embora essa doença já seja bem documentada em
animais de companhia e de criação, sabe-se agora que ela também está presente na grande maioria dos organismos multicelulares, desde
mexilhões até elefantes. No entanto, essas espécies não apresentam uma
sensibilidade idêntica ao câncer. Por exemplo, a
antílope indiana, uma espécie herbívora nativa da Índia, desenvolve cânceres muito raramente, enquanto o
kowari, um pequeno marsupial carnívoro da Austrália, apresenta uma taxa de câncer muito alta.
Determinar os fatores que explicam por que algumas espécies animais são menos propensas ao câncer e compreender os mecanismos por trás dessas resistências constitui um campo de pesquisa promissor para o desenvolvimento de novos tratamentos.
Os grandes animais não têm mais câncer do que os outros: o paradoxo de Peto
Nesse contexto, as espécies de grande porte são particularmente interessantes para os pesquisadores. De fato, os grandes animais possuem muitas células e cada uma delas pode potencialmente se tornar cancerígena.
O câncer é causado por uma acumulação de mutações, ou seja, alterações acidentais do DNA. Dentro das células, existem mecanismos eficazes de reparação do DNA, tornando rara a ocorrência de mutações. Apesar disso, essas mutações acumulam-se a um ritmo constante ao longo da vida dos organismos. Quando essas mutações afetam genes que regulam a proliferação celular, relacionados à reparação do DNA ou à estabilidade do genoma, o funcionamento da célula pode ser perturbado. Isso pode levar a uma proliferação descontrolada das células, que podem então formar um tumor.
Assim, se supormos que todas as células têm a mesma probabilidade de acumular mutações, então os animais de grande porte, com mais células, deveriam desenvolver mais cânceres. Esse é um padrão observado em certas espécies como humanos e cães, onde o grande porte está associado a uma
aumento da probabilidade de desenvolver câncer.
No entanto, quando comparamos as frequências de câncer entre as espécies de mamíferos, essa correlação com o tamanho corporal não se verifica. As espécies de grande porte
não desenvolvem mais câncer do que as outras.
Esse fenômeno é chamado de
paradoxo de Peto em homenagem ao estatístico e epidemiologista inglês que o formulou pela primeira vez. Essa descoberta sugere que a evolução do grande porte ocorreu juntamente com o surgimento de mecanismos de resistência ao câncer mais eficazes. Da mesma forma, esses mecanismos também podem existir em espécies com durações de vida mais longas, onde as mutações têm mais tempo para se acumular. Várias equipes de cientistas ao redor do mundo agora estão buscando identificar os "segredos" desses animais para combater essa doença.
Uma multiplicidade de mecanismos de resistência ao câncer
A espécie emblemática associada ao paradoxo de Peto é o elefante africano, pois foi a primeira espécie de grande porte na qual o mecanismo de resistência ao câncer foi identificado. O genoma dos elefantes contém 20 cópias de um gene particular, chamado
TP53, enquanto nossa espécie possui apenas uma cópia. A
proteína derivada do gene TP53 é responsável pela vigilância e eliminação de células com comportamento anormal. Ela também desempenha um papel na reparação do DNA, limitando o desenvolvimento de processos cancerígenos nesses paquidermes.
No mundo marinho, é a baleia da Groenlândia que ilustra novamente esse paradoxo, com um mecanismo de resistência ao câncer que atua mais cedo. Esse mamífero, que vive cerca de 200 anos, possui um sistema de reparação do DNA muito preciso e eficaz para certos tipos de danos. Esse sistema envolve duas proteínas que
limitam a acumulação de mutações que podem transformar células saudáveis em células cancerígenas.
Espécies de menor porte também apresentam mecanismos poderosos de resistência ao câncer. O rato-toupeira nu, campeão de longevidade entre os roedores, é extremamente resistente ao câncer. Ele parece possuir vários mecanismos para limitar o desenvolvimento de tumores. Essa espécie possui, por exemplo, uma sensibilidade aumentada à
densidade de células em um tecido, graças à produção elevada de um açúcar complexo, uma
forma muito densa de ácido hialurônico. Assim, se muitas células se acumulam em uma mesma área, elas param de se dividir, impedindo a formação de tumores.
Os mecanismos de resistência ao câncer identificados em algumas espécies atuam em diferentes estágios da formação do câncer.
Louise Maille, Crystal Morin/Universidade de La Rochelle, fornecido pelo autor
Uma fonte de inspiração para a medicina?
De pás de turbinas eólicas modeladas a partir das
nadadeiras das baleias até a força de adesão do Velcro imitando os
frutos da bardana, a natureza tem sido uma fonte de inspiração para a tecnologia por séculos. Essa abordagem, chamada biomimética, também foi aplicada à medicina várias vezes. No entanto, ela ainda foi pouco explorada no combate ao câncer, uma das doenças mais mortais.
O grande porte surgiu várias vezes independentemente ao longo da evolução (
10 vezes apenas nos mamíferos), sugerindo o surgimento potencial de diversos mecanismos de resistência ao câncer. Essa hipótese é atualmente apoiada pela pesquisa, já que, para cada espécie estudada e resistente a essa patologia, um mecanismo diferente tem sido descoberto. Assim, ao estudar novas espécies, pode-se identificar muitos outros mecanismos de resistência ao câncer, na esperança de que um deles seja aplicável aos tratamentos para a espécie humana.
Fonte: The Conversation sob licença Creative Commons