Marte, o planeta vermelho, deve sua cor icônica a um processo químico bastante particular. Mas novas pesquisas sugerem que essa tonalidade enferrujada esconde uma história mais complexa do que se pensava.
Durante décadas, os cientistas atribuíram a cor vermelha de Marte à oxidação do ferro, um fenômeno semelhante à ferrugem na Terra. No entanto, um estudo recente propõe que a poeira marciana contém um mineral rico em água, chamado ferrihidrita, que teria desempenhado um papel crucial nessa coloração. Essa descoberta abre novas perspectivas sobre a história climática de Marte e sua possível habitabilidade no passado.
A composição da poeira marciana
A poeira que cobre Marte é composta principalmente de minerais ricos em ferro, incluindo óxido de ferro. Até agora, os cientistas acreditavam que a hematita, um óxido de ferro seco, era responsável pela cor vermelha do planeta. No entanto, novas análises revelam que a ferrihidrita, um mineral formado na presença de água fria, corresponde melhor às observações. Essa descoberta desafia as teorias anteriores sobre a formação da ferrugem marciana.
a) Tom ocre das regiões claras de Marte observado em 14 de agosto de 2021 pelo Emirates Exploration Imager (R = 635 nm, G = 546 nm, B = 437 nm).
b) Mistura hiperfina (< 1 µm) de ferrihidrita-basalto (proporção 1:2) em laboratório, obtida em condições ambientais.
c) Comparação de um espectro orbital de poeira marciana (imagem CRISM FRT00009591) com o espectro da mistura ferrihidrita-basalto. O aumento da reflectância próximo a 0,5 µm é devido ao ferro férrico e à sua absorção por transição de elétrons, dominando o espectro UV e o azul. As bandas espectrais NIR em 1,41 e 1,93 µm, associadas à água ligada na ferrihidrita, não são detectadas nessas amostras. O aumento característico da reflectância entre 1 e 2,5 µm para a ferrihidrita pura também não aparece, provavelmente devido à mistura não linear com o pó de basalto. A banda em 3 µm pode ser devida à água quimicamente ligada na poeira marciana e na amostra de laboratório.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores reproduziram em laboratório a poeira marciana moendo amostras de basalto e ferrihidrita. Essas amostras foram então comparadas com os dados espectrais coletados por orbitadores e rovers marcianos. Os resultados mostram que a ferrihidrita é o melhor candidato para explicar a tonalidade vermelha de Marte. Esse método inovador permitiu recriar condições próximas às do planeta vermelho.
Os dados das missões espaciais, como os do orbitador Trace Gas Orbiter da ESA e do rover Curiosity da NASA, desempenharam um papel crucial nessa descoberta. Ao combinar essas observações com experimentos em laboratório, os cientistas conseguiram identificar a assinatura espectral da ferrihidrita na poeira marciana. Esse avanço abre caminho para uma melhor compreensão dos processos químicos que moldaram Marte.
Uma história ligada à água
A presença de ferrihidrita sugere que Marte experimentou condições úmidas há bilhões de anos. Esse mineral se forma rapidamente na presença de água fria, o que indica que a água líquida já foi abundante na superfície do planeta. Diferente da hematita, a ferrihidrita mantém sua assinatura aquosa mesmo após bilhões de anos de erosão e dispersão pelos ventos marcianos.
Essa descoberta reforça a ideia de que Marte pode ter abrigado ambientes propícios à vida. As condições necessárias para a formação da ferrihidrita, ou seja, água líquida e oxigênio, sugerem que o planeta vermelho passou por um período mais ameno do que seu estado atual, frio e seco. Isso abre novas perspectivas sobre a habitabilidade passada de Marte e a possibilidade de que ele tenha sustentado formas de vida microbiana.
O painel esquerdo representa Marte antigo durante uma fase de intemperismo químico ativo, onde a hidratação e oxidação da crosta basáltica produzem águas ricas em ferrihidrita. O escoamento de derretimento, desencadeado pela atividade vulcânica, transporta ferro férrico insolúvel para lagos de crateras e bacias, formando depósitos sedimentares.
O painel direito ilustra Marte moderno, onde a erosão redistribui as camadas sedimentares e dispersa materiais finos, dando ao planeta sua aparência ocre característica. Esquema fora de escala.
As missões futuras, como o rover Rosalind Franklin da ESA e o programa Mars Sample Return da NASA, podem fornecer amostras que confirmem essa hipótese. A análise direta da poeira e das rochas marcianas na Terra permitiria determinar com precisão a quantidade de ferrihidrita presente e entender melhor as condições ambientais que prevaleceram em Marte na época de sua formação. Essas amostras também poderiam revelar outros indícios sobre a história da água e da vida no planeta vermelho.
Para ir além: O que é a ferrihidrita?
A ferrihidrita é um mineral rico em ferro e água, frequentemente associado a ambientes úmidos e frios. Na Terra, é encontrado em solos e sedimentos lacustres, onde se forma rapidamente na presença de água líquida e oxigênio. Sua estrutura química particular permite reter moléculas de água, tornando-a um indicador valioso de condições aquosas passadas.
Em Marte, a presença de ferrihidrita sugere que o planeta pode ter experimentado episódios úmidos, mesmo que seu ambiente atual seja extremamente seco. Esse mineral se forma em temperaturas relativamente baixas, indicando que a água líquida em Marte devia ser fria e provavelmente abundante por um período limitado. Diferente de outros óxidos de ferro, como a hematita, a ferrihidrita é menos estável a longo prazo, mas pode persistir em condições específicas, como as observadas em Marte.
A descoberta de ferrihidrita na poeira marciana abriria novas perspectivas para entender a história da água no planeta vermelho. Ao estudar esse mineral, os cientistas podem rastrear as condições ambientais que prevaleceram em Marte há bilhões de anos. Isso também poderia ajudar a identificar regiões onde a vida poderia ter surgido, aumentando o interesse das futuras missões de exploração.
Autor do artigo: Cédric DEPOND
Fonte: Nature