Cédric - Terça-feira 28 Outubro 2025

🧠 Os nossos ancestrais humanos foram expostos ao chumbo, e isso influenciou a nossa evolução

A descoberta de assinaturas químicas de chumbo em fósseis de hominídeos questiona a nossa compreensão das pressões ambientais antigas. Esta presença do metal tóxico, muito anterior às atividades industriais humanas, abre interrogações sobre o seu papel no desenvolvimento cerebral dos nossos ancestrais.

As análises dentárias revelam uma exposição recorrente em períodos muito mais longos do que se imaginava, mostrando uma interação duradoura entre geoquímica e evolução biológica.


Pesquisas interdisciplinares combinando arqueologia, genética e neurociências demonstram como este elemento natural pôde influenciar as trajetórias evolutivas dos hominídeos. O estudo de amostras fósseis provenientes de múltiplos sítios através do mundo documenta pela primeira vez a antiguidade e a persistência desta exposição ao chumbo.

As evidências fósseis de uma exposição antiga



O exame de 51 dentes fósseis com técnicas geoquímicas de alta precisão revelou assinaturas características de exposição ao chumbo. Estas análises realizadas pelo grupo de pesquisa em geoarqueologia da Universidade Southern Cross detetaram bandas de concentração de chumbo correspondentes a diferentes períodos do crescimento dentário. A presença destes marcadores químicos em espécimes remontando até dois milhões de anos indica episódios repetidos de exposição ao longo da primeira infância.

A distribuição geográfica e cronológica das amostras analisadas cobre vários continentes e espécies. Os investigadores puderam estabelecer comparações entre diferentes grupos de hominídeos, incluindo representantes do género Homo e dos australopitecos. As modalidades de exposição variam segundo as espécies, provavelmente em ligação com os seus hábitos alimentares e os seus ambientes respectivos. Alguns grupos mostram sinais mais intensos do que outros, refletindo possivelmente diferenças comportamentais.

As fontes prováveis desta contaminação antiga incluem processos naturais como a atividade vulcânica ou a circulação de águas subterrâneas em formações geológicas ricas em metais. Ao contrário da poluição industrial contemporânea, esta exposição pré-histórica era intermitente e ligada a fatores ambientais específicos.

Impactos diferenciais no desenvolvimento cerebral


A equipa da Universidade da Califórnia em San Diego desenvolveu modelos cerebrais in vitro para testar os efeitos do neurodesenvolvimento desta exposição antiga. Estas estruturas cerebrais em miniatura, cultivadas a partir de células estaminais, foram especificamente programadas para produzir duas formas distintas do gene NOVA1. Este gene, que atua como um maestro durante a formação do cérebro, existe sob uma versão moderna no humano atual e sob uma forma arcaica que os Neandertais possuíam. Os investigadores puderam assim comparar, num ambiente controlado, como estas duas variantes genéticas reagiam a uma agressão tóxica idêntica.


A exposição ao chumbo provocou perturbações significativas na organização dos neurónios que expressam o gene FOXP2, particularmente nos organoides portadores da variante arcaica de NOVA1. Estas alterações afetavam principalmente regiões cerebrais associadas ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Os modelos contendo a versão moderna do gene mostravam uma resistência acrescida a estes efeitos neurotóxicos.

O estudo proteómico aprofundado evidenciou diferenças nas vias de sinalização afetadas pelo chumbo segundo a variante genética. A variante moderna parece conferir uma proteção relativa ao modular a resposta ao stress oxidativo e ao preservar a integridade dos circuitos neuronais especializados. Estes trabalhos oferecem um esclarecimento novo sobre os mecanismos moleculares que puderam influenciar a evolução das capacidades cognitivas nos hominídeos.

Para ir mais longe: O que é um organoide cerebral?


Os organoides cerebrais são estruturas tridimensionais cultivadas em laboratório a partir de células estaminais. Eles reproduzem parcialmente a organização e certas funções dos tecidos cerebrais humanos. Estes modelos permitem estudar o desenvolvimento neural em condições controladas.

A sua fabricação implica guiar a diferenciação das células estaminais para tipos neuronais específicos. Ao longo das semanas, estas células auto-organizam-se em estruturas complexas. Os investigadores podem assim observar processos desenvolvimentais inacessíveis no cérebro humano vivo.

Estes modelos apresentam algumas limitações, como a ausência de vascularização e de conexões com outras regiões cerebrais. Não obstante, eles oferecem uma alternativa ética às experimentações animais. A sua utilização espalha-se no estudo das doenças neurodegenerativas.

Que papel o gene FOXP2 desempenha na linguagem?


O gene FOXP2 codifica um fator de transcrição essencial ao desenvolvimento dos circuitos neuronais da linguagem. Mutações deste gene acarretam no humano perturbações severas da articulação e da gramática. O seu envolvimento na coordenação dos movimentos orofaciais está bem estabelecido.


Nos vertebrados, FOXP2 influencia a aprendizagem vocal e a plasticidade dos núcleos cerebrais especializados. Os pássaros cantores apresentam padrões de expressão dinâmicos deste gene durante a aquisição do seu canto.

As pesquisas recentes indicam que FOXP2 regula a expressão de centenas de outros genes nos neurónios. Ele interage com diversas vias de sinalização implicadas na sinaptogénese e na migração neuronal. A sua alteração afeta múltiplos aspetos do desenvolvimento cerebral.

Autor do artigo: Cédric DEPOND
Fonte: Science Advances
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