A cada segundo, sem que você saiba, trilhões de partículas invisíveis atravessam seu corpo. Esses objetos cósmicos percorrem o Universo desde fontes distantes, viajando a velocidades prodigiosas. Durante mais de um século, os cientistas buscaram compreender de onde vêm essas partículas e o que lhes confere uma energia tão extraordinária.
Os raios cósmicos são partículas extremamente energéticas que viajam no espaço a uma velocidade próxima à da luz. Descobertos em 1912, eles provêm de diferentes regiões de nossa galáxia e além, mas suas origens precisas permaneceram por muito tempo insondáveis. Uma equipe da Universidade Estadual de Michigan, liderada por Shuo Zhang, traz hoje novas respostas para este enigma cósmico. Suas pesquisas recentes, apresentadas durante um congresso de astronomia, exploram os aceleradores naturais que impulsionam essas partículas a energias inimagináveis.
Essas partículas energéticas nascem em ambientes cósmicos extremos como buracos negros, remanescentes de supernova ou regiões de formação estelar. Esses fenômenos astrofísicos produzem também neutrinos, partículas quase sem massa que atravessam livremente a matéria, incluindo seu corpo.
Shuo Zhang ressalta assim que essas radiações nos concernem diretamente: a cada segundo, aproximadamente cem trilhões de neutrinos cósmicos atravessam nosso corpo sem que tenhamos consciência disso. Esta onipresença levanta naturalmente a questão de sua proveniência e dos mecanismos que os geram.
As fontes de raios cósmicos funcionam como aceleradores naturais muito mais poderosos do que aqueles construídos pelo homem. A equipe de pesquisa concentra-se nesses "PeVatrons", aceleradores cósmicos capazes de impulsionar prótons e elétrons a energias fenomenais. Compreender seu funcionamento poderia esclarecer questões fundamentais sobre a evolução das galáxias e a natureza da matéria escura. Essas pesquisas abrem perspectivas novas para explorar os mecanismos de aceleração de partículas no Universo.
Imagem em raios X de uma nebulosa de vento de pulsar recém-descoberta, associada a uma fonte extrema de raios cósmicos galácticos, obtida pelo telescópio espacial XMM-Newton.
Crédito: Telescópio Espacial XMM-Newton
Em um primeiro estudo publicado na
The Astrophysical Journal, Stephen DiKerby examinou um candidato a PeVatron detectado pelo observatório LHAASO. Analisando dados do telescópio XMM-Newton, ele identificou uma nebulosa de vento de pulsar - uma bolha em expansão contendo elétrons relativísticos alimentados por um pulsar. Esta descoberta permitiu classificar esta fonte como um tipo específico de acelerador cósmico, marcando uma etapa importante na identificação das origens dos raios cósmicos.
Três estudantes de graduação contribuíram para uma segunda pesquisa utilizando o telescópio espacial Swift da NASA. Seu trabalho permitiu estabelecer limites superiores para as emissões de raios X provenientes de fontes cósmicas pouco exploradas. Esses resultados servirão de base para estudos futuros e contribuirão para a elaboração de um catálogo completo das fontes de raios cósmicos. Este catálogo se tornará um recurso precioso para os observatórios de neutrinos e os telescópios tradicionais.
A equipe prepara agora um novo estudo combinando os dados do observatório de neutrinos IceCube com aqueles dos telescópios de raios X e gama. Eles buscam compreender por que algumas fontes cósmicas emitem neutrinos enquanto outras não os produzem, e identificar as condições de produção dessas partículas. Esta abordagem colaborativa entre físicos de partículas e astrônomos representa um avanço metodológico promissor para desvendar os segredos dos aceleradores cósmicos.
Os neutrinos, mensageiros cósmicos
Os neutrinos são partículas elementares que atravessam o Universo quase sem interagir com a matéria. Sua massa é tão fraca que era considerada nula por muito tempo, e eles se deslocam a velocidades próximas à da luz. Ao contrário dos raios cósmicos carregados eletricamente que são desviados pelos campos magnéticos galácticos, os neutrinos viajam em linha reta desde sua fonte, o que os torna mensageiros ideais para localizar os aceleradores cósmicos.
Essas partículas são produzidas em reações nucleares e processos de desintegração radioativa que ocorrem no coração das estrelas, durante explosões de supernova, ou nos ambientes extremos que cercam os buracos negros. Sua detecção na Terra necessita de instrumentos particularmente sensíveis, como o observatório IceCube enterrado no gelo da Antártida, capaz de capturar as muito raras interações dos neutrinos com a matéria.
A relação entre os neutrinos e os raios cósmicos é particularmente interessante para os astrofísicos. Quando prótons ou núcleos atômicos são acelerados a alta energia e entram em colisão com a matéria ou a radiação circundante, eles produzem neutrinos entre outras partículas. A detecção simultânea de neutrinos e raios cósmicos provenientes de uma mesma direção do céu permite portanto identificar com precisão as fontes cósmicas ativas.
O estudo dos neutrinos cósmicos abre uma nova janela de observação sobre o Universo, complementar às observações eletromagnéticas tradicionais. Rastreando essas partículas insondáveis, os cientistas podem sondar regiões cósmicas de outro modo inacessíveis, como o interior das estrelas ou os arredores imediatos dos buracos negros, nos oferecendo assim uma visão mais completa dos processos energéticos que animam o cosmos.
Fonte: The Astrophysical Journal