A dopamina, uma molécula chave no cérebro, é essencial para o aprendizado e a motivação. Como a dopamina pode orquestrar tanto o aprendizado quanto a motivação? Um estudo recente, publicado na
Nature Communications, propõe uma resposta a essa pergunta.
Aprendizado e motivação, o duplo papel da dopamina
Imagine que você suba em uma macieira pela primeira vez por acaso ou por curiosidade e encontre uma maçã deliciosa. Seu cérebro então associa a ação de subir a uma recompensa, a maçã. A dopamina desempenha um papel essencial nesse processo de aprendizado, sinalizando a recompensa obtida, o que contribui para a formação de hábitos.
No entanto, mesmo após aprender essa associação, você não subirá sistematicamente na macieira. Essa ação só ocorrerá se você estiver suficientemente motivado, por exemplo, pela fome, pelo desejo de brincar ou de mostrar sua descoberta.
Atraentes latentes: um mecanismo oculto em nosso cérebro
Em um artigo publicado na
Nature Communications, os cientistas propõem uma nova teoria sobre a dopamina, baseada no conceito de
atraentes latentes.
Nessa teoria, a dopamina não se limita a sinalizar uma recompensa para reforçar um comportamento. Ela também desempenha um papel ao ativar "atraentes latentes". Esses atraentes são como "planos ocultos" no cérebro, prontos para serem usados quando as condições são favoráveis (por exemplo, fome ou curiosidade).
Em outras palavras, esses atraentes latentes representam estados estáveis no cérebro, ligados a experiências passadas que foram recompensadas. A dopamina age como um gatilho, transformando esses atraentes latentes em atraentes efetivos, que ativam o comportamento e orientam nossas ações em direção ao objetivo (por exemplo, subir na árvore para pegar uma maçã).
Do aprendizado à ação, a dopamina revela nossos aprendizados ocultos
Para confirmar essa teoria, os pesquisadores usaram uma técnica chamada optogenética, que permite controlar a atividade dos neurônios por meio da luz. Ao estimular artificialmente os neurônios de dopamina em camundongos, os cientistas mostraram que a dopamina pode "despertar" aprendizados ocultos.
Em um ambiente onde os camundongos haviam aprendido que um local específico estava associado a uma recompensa, a estimulação da dopamina os atraía diretamente para esse lugar, mesmo que estivessem longe. Por outro lado, em um ambiente onde nenhum local estava associado a uma recompensa, a estimulação não tinha efeito, confirmando a ausência de atraentes latentes.
Acima - Esquema da dinâmica dos atraentes no modelo. O ponto laranja é o objetivo do animal, ele se move em uma paisagem de energia potencial cujo mínimo (atraente) ajuda a determinar a posição do objetivo no ambiente. O ponto preto é o comportamento do animal, que segue seu objetivo. O efeito de reforço da dopamina é construir um atraente latente, seu efeito motivacional é revelá-lo.
Abaixo - Teste experimental da teoria. A estimulação optogenética dos neurônios dopaminérgicos aumenta a propensão dos animais a visitar um ponto central previamente recompensado (azul), mas não tem efeito motor em um contexto sem recompensa (vermelho).
© Jérémie Naudé, Philippe Faure, Bruno Delord.
Este estudo mostra que a função da dopamina não é apenas reforçar hábitos. Ela também permite ativar memórias de experiências passadas, dependendo de nossa motivação e das oportunidades presentes.
Esses "atraentes latentes" formam tantos planos neurais prontos para serem usados assim que o estado interno (a motivação) e o ambiente permitirem. Ao esclarecer esse mecanismo, essa descoberta abre novas perspectivas para entender como o cérebro passa do conhecimento à ação e pode ter implicações nos campos da motivação, do aprendizado e dos distúrbios relacionados ao sistema dopaminérgico, como depressão ou vícios.
Referência:
Naudé, J., Sarazin, M.X.B., Mondoloni, S.
et al. Dopamina constrói e revela atraentes comportamentais latentes associados à recompensa.
Nat Commun 15, 9825 (2024).
https://doi.org/10.1038/s41467-024-53976-x
Fonte: CNRS INSB