O córtex cerebral processa as informações sensoriais através de uma rede de conexões neuronais. Mas como é que estes sinais são ajustados para aperfeiçoar as nossas perceções?
Imagem de ilustração Pixabay
Uma equipa da Universidade de Genebra (UNIGE) identificou um mecanismo através do qual as projeções talâmicas visam determinados neurónios e alteram a sua excitabilidade. Estes trabalhos, publicados na
Nature Communications, revelam uma forma de comunicação inédita entre duas regiões do cérebro, o tálamo e o córtex somatossensorial. Podem explicar por que razão o mesmo estímulo sensorial nem sempre provoca a mesma sensação e abrir pistas para compreender melhor alguns distúrbios mentais.
Um mesmo estímulo sensorial pode por vezes ser percecionado com clareza ou permanecer desfocado. Este fenómeno explica-se pela forma como o cérebro integra estas perceções. Assim, tocar num objeto fora do nosso campo de visão pode ser suficiente para o identificar, ou não. Estas variações percetivas continuam mal compreendidas, mas podem depender de fatores como a atenção ou a presença perturbadora de outros estímulos.
O que é certo, segundo os neurocientistas, é que quando tocamos em algo, os sinais sensoriais provenientes dos recetores da pele são interpretados por uma região especializada do cérebro chamada "córtex somatossensorial".
Esta alteração pode desempenhar um papel em algumas patologias, como os transtornos do espetro do autismo.
Pelo caminho, estes sinais atravessam uma rede complexa de neurónios, incluindo uma estrutura crucial do cérebro chamada "tálamo", que serve de relé. Este processo não é, no entanto, unidirecional. Uma parte importante do tálamo recebe também sinais de retorno do córtex e redistribui-os formando um ciclo de retroação. Mas o papel exato e o funcionamento deste ciclo continuam ainda mal compreendidos.
Neurónio cortical a expressar uma proteína fluorescente verde, imageado no cérebro vivo de ratinhos por microscopia de dois fotões.
© Ronan Chéreau
Uma nova via moduladora
Para explorar esta questão, os neurocientistas da UNIGE estudaram uma região situada no topo dos neurónios piramidais do córtex somatossensorial, rica em dendrites – ou seja, prolongamentos dos neurónios que recebem os sinais elétricos provenientes de outros neurónios.
"Os neurónios piramidais têm formas um pouco surpreendentes. São assimétricos, tanto na sua forma como nas suas funções. O que se passa no topo do neurónio é diferente do que se passa na base", explica Anthony Holtmaat, professor ordinário no Departamento de Neurociências Fundamentais e no Centro Synapsy de investigação em neurociências para a saúde mental da Faculdade de Medicina da UNIGE, que dirigiu o estudo.
A sua equipa focou-se no rato e numa via neuronal particular, na qual o topo dos neurónios piramidais recebe projeções de uma parte específica do tálamo. Ao estimular os bigodes do animal – o equivalente ao tato nos humanos – foi possível evidenciar um diálogo preciso entre estas projeções e as dendrites dos neurónios piramidais.
"O que é notável, ao contrário das projeções talâmicas conhecidas até agora para ativar os neurónios piramidais, é que esta parte do tálamo, funcionando em ciclo retroativo, modula a sua atividade, nomeadamente tornando-os mais sensíveis aos estímulos", indica Ronan Chéreau, mestre-assistente no Departamento de Neurociências Fundamentais e coautor do estudo.
Um recetor inesperado
Graças a técnicas de ponta – imagiologia, optogenética, farmacologia e sobretudo eletrofisiologia – a equipa conseguiu registar a atividade elétrica de estruturas minúsculas como as dendrites. Estas diferentes abordagens permitiram compreender como esta modulação se opera ao nível das sinapses.
Em condições normais, o neurotransmissor glutamato atua como um sinal de ativação. Ajuda os neurónios a transmitir uma informação sensorial desencadeando uma resposta elétrica no neurónio seguinte. Mas neste novo mecanismo, o glutamato libertado pelas projeções do tálamo atua de outra forma. Liga-se a outro tipo de recetor, situado numa região específica do neurónio piramidal do córtex.
Em resposta, este último altera o seu estado de reatividade em vez de o excitar diretamente. O neurónio torna-se assim mais facilmente ativável, como se estivesse a ser preparado para responder melhor a um próximo estímulo sensorial.
"É uma via até agora desconhecida para uma modulação. Habitualmente, a modulação dos neurónios piramidais é assegurada pelo equilíbrio entre os neurónios excitadores e inibidores, não por este tipo de mecanismo", precisa Ronan Chéreau.
Inúmeras implicações
Ao mostrar que um ciclo de retroação específico entre o córtex somatossensorial e o tálamo pode modular a excitabilidade dos neurónios corticais, o estudo sugere que as vias talâmicas não se limitam a transmitir sinais sensoriais, mas atuam também como amplificadores seletivos da atividade cortical.
"Por outras palavras, a nossa perceção do tato não é apenas moldada pelos dados sensoriais recebidos, mas também pelas interações dinâmicas no interior da rede talamocortical", acrescenta Anthony Holtmaat.
Este mecanismo pode além disso contribuir para a compreensão da flexibilidade percetiva observada nos estados de vigilância do sono ou da vigília, estados durante os quais os limiares sensoriais variam. A sua alteração pode também desempenhar um papel em algumas patologias, como os transtornos do espetro do autismo.
Fonte: Universidade de Genebra