No coração do oceano Atlântico, que está a aquecer gradualmente, uma zona fria persiste ao sul da Gronelândia. Esta anomalia térmica está em contradição com as tendências gerais e levanta questões fundamentais sobre os mecanismos climáticos em ação.
Os investigadores da Universidade da Califórnia em Riverside realizaram uma análise aprofundada combinando um século de dados oceânicos com quase cem modelos climáticos diferentes. O seu trabalho revela que apenas um enfraquecimento do sistema de circulação atlântica AMOC pode explicar as características observadas. Este sistema, frequentemente comparado a uma esteira rolante gigante, transporta normalmente as águas quentes e salgadas para norte antes de enviar as águas mais frias para sul, desempenhando assim um papel essencial na regulação do clima.
Tendência das temperaturas da superfície do Atlântico entre 1900 e 2005 para a média de seis conjuntos de dados de observação.
Crédito: Kai-Yuan Li/UCR
O método empregue pelos cientistas revelou-se particularmente esclarecedor. Na ausência de medições diretas do sistema de circulação durante um longo período, eles usaram os registos de temperatura e salinidade como indicadores fiáveis. Esta abordagem indireta permitiu reconstituir a evolução do sistema ao longo de mais de cem anos, oferecendo uma perspetiva histórica valiosa. Os modelos climáticos que não tinham em conta este enfraquecimento mostraram-se incapazes de reproduzir as observações reais.
As consequências desta desaceleração estendem-se muito para além da simples anomalia térmica local. O sistema de circulação atlântica influencia diretamente os regimes meteorológicos na Europa, alterando as precipitações e deslocando as correntes atmosféricas que guiam os sistemas meteorológicos. Estas mudanças podem afetar as temperaturas e as condições climáticas numa vasta área geográfica, afetando potencialmente milhões de pessoas.
Esta investigação permite também resolver um debate científico importante sobre as causas do arrefecimento observado. Alguns modelos recentes atribuíam este fenómeno principalmente a fatores atmosféricos como a poluição por aerossóis, mas estas simulações não correspondiam às observações. O estudo demonstra claramente que apenas o enfraquecimento do sistema de circulação explica corretamente os dados recolhidos, o que põe em causa a precisão de alguns modelos climáticos atuais.
A técnica desenvolvida pelos investigadores abre novas perspetivas para a previsão climática. Ao permitir traçar a evolução passada do sistema a partir de dados indiretos, oferece uma ferramenta valiosa para antecipar as mudanças futuras. Os cientistas sublinham que esta abordagem poderá revelar-se crucial para compreender como o sistema climático evoluirá se as emissões de gases de efeito estufa continuarem a aumentar.
Os ecossistemas marinhos representam outro domínio de impacto importante. As modificações de temperatura e salinidade influenciam diretamente a distribuição das espécies marinhas, podendo levar a deslocamentos de populações e transformações dos habitats. Estas mudanças ecológicas poderão ter repercussões nas pescarias e na biodiversidade marinha em toda a região do Atlântico norte.
O sistema de circulação atlântica AMOC
O sistema de circulação atlântica AMOC (Atlantic Meridional Overturning Circulation) funciona como um imenso transportador oceânico que redistribui o calor através do Atlântico Norte. Transporta as águas quentes e salgadas das regiões tropicais para as latitudes setentrionais, onde libertam o seu calor na atmosfera antes de se tornarem mais densas e mergulharem para as profundezas. Este mecanismo natural contribui para manter temperaturas relativamente amenas na Europa ocidental.
Quando este sistema desacelera, menos água quente chega ao norte, o que altera os equilíbrios térmicos estabelecidos. O processo de mergulho das águas frias também se enfraquece, perturbando todo o ciclo. Esta desaceleração pode ser explicada por vários fatores, incluindo o aumento do aporte de água doce proveniente do degelo da Gronelândia e do Ártico.
Os cientistas monitorizam atentamente este sistema porque as suas variações podem desencadear mudanças climáticas rápidas. Historicamente, modificações importantes desta circulação foram associadas a transições climáticas bruscas. Compreender o seu funcionamento atual ajuda a antecipar como o clima poderá evoluir nas próximas décadas.
A investigação recente mostra que este sistema tem vindo a enfraquecer gradualmente ao longo do século passado. Esta tendência poderá acelerar-se com o aquecimento climático em curso, o que teria consequências significativas nos regimes meteorológicos e nos ecossistemas do hemisfério norte.
Fonte: Communications Earth & Environment