Como os astrônomos da Antiguidade conseguiram observar e descrever com tanta precisão fenômenos celestes, quando não dispunham de nossos instrumentos modernos? Esta interrogação encontra um esclarecimento novo graças a escritos chineses com quase três milênios de idade, que documentam o que parece ser o eclipse solar mais antigo já registrado.
No ano de 709 a.C., os escribas do ducado de Lu, um estado vassalo da dinastia Zhou, registraram um evento celeste nos Anais dos Reinos da Primavera e Outono. Esta crônica, compilada alguns séculos depois dos fatos, atrai hoje a atenção dos cientistas pela riqueza de seus detalhes. Uma nota acrescentada posteriormente no Hanshu, ou Livro dos Han, descreve o sol eclipsado como estando "completamente amarelo em cima e embaixo". Esta formulação poderia corresponder a uma observação da coroa solar, a parte externa de nossa estrela.
Textos chineses antigos revelam como os primeiros astrônomos estudavam os eclipses solares
Crédito: Arquivos Nacionais do Japão
Para verificar a autenticidade desta observação, uma equipe internacional usou simulações computacionais para modelar a velocidade de rotação da Terra naquela época. Os cálculos iniciais mostravam que o eclipse não seria visível a partir de Qufu, a capital do ducado de Lu onde o texto foi redigido. Os pesquisadores examinaram então relatórios arqueológicos e estudos geográficos históricos, descobrindo que as coordenadas usadas anteriormente para a antiga capital estavam erradas em quase oito quilômetros.
Esta correção geográfica permitiu recalibrar os modelos astronômicos. Ajustando a posição exata, os cientistas puderam recalcular com mais justeza a rotação terrestre durante o eclipse total, assim como simular a aparência da coroa solar. Essas melhorias fornecem dados mais confiáveis para entender as variações seculares da rotação do nosso planeta e refinam a datação de eventos astronômicos passados.
A motivação por trás destes registros meticulosos encontra sua origem nas crenças da época. Os fenômenos celestes eram frequentemente interpretados como presságios ligados aos assuntos políticos. Um imperador cujo reinado coincidisse com um eclipse ou uma aurora poderia ser considerado responsável por desordens, o que incentivava uma vigilância atenta do céu. Esta prática levou à conservação de muitas observações valiosas para a ciência contemporânea.
Uma fotografia do texto antigo mencionando o eclipse
Crédito: Arquivos Nacionais do Japão
Os trabalhos da equipe também vêm reforçar as pesquisas sobre o ciclo solar, que estudam as radiações cósmicas via datação por radiocarbono nos anéis das árvores (explicação no fim do artigo). Cruzando esses arquivos antigos com métodos computacionais modernos, torna-se possível extrair informações novas sobre o comportamento do Sol e da Terra há vários milênios. Como notam os pesquisadores, nossos ancestrais eram observadores competentes.
O ciclo solar e os arquivos naturais
O Sol passa por fases de atividade regulares, conhecidas como ciclo solar, que duram aproximadamente onze anos. Durante os períodos de forte atividade, nossa estrela emite mais radiações e partículas, influenciando o clima terrestre e os fenômenos atmosféricos. Essas variações deixam traços no ambiente, notadamente nos anéis de crescimento das árvores, onde o carbono 14 pode ser medido.
A datação por radiocarbono nos anéis das árvores fornece pistas sobre a intensidade das radiações cósmicas em diferentes épocas. Quando a atividade solar é fraca, mais raios cósmicos atingem a atmosfera terrestre, aumentando a produção de carbono 14. Analisando esses níveis, os cientistas podem reconstituir os ciclos solares passados e comparar esses dados com as observações históricas de eclipses ou auroras.
Este método permite validar ou ajustar os modelos atuais do comportamento solar. Os registros antigos, como os dos textos chineses, oferecem pontos de referência valiosos para calibrar essas reconstruções. Combinando as evidências arqueológicas e as análises científicas, obtém-se uma imagem mais completa da história de nossa estrela e de seu impacto na Terra.
Entender esses ciclos ajuda a antecipar os efeitos da atividade solar nas tecnologias modernas, como satélites e redes elétricas. Os estudos de longo prazo também enriquecem nossos conhecimentos sobre as mudanças climáticas naturais, distinguindo as influências solares dos fatores humanos.
A modelagem astronômica e as correções históricas
A modelagem astronômica usa cálculos matemáticos para simular os movimentos dos corpos celestes no passado, presente e futuro. Para eventos antigos como os eclipses, ela se baseia em parâmetros como a velocidade de rotação da Terra, que não é constante ao longo dos séculos. Leves variações nesses parâmetros podem alterar a visibilidade ou a aparência de um fenômeno a partir de um local dado.
Quando arquivos históricos indicam uma observação precisa, como a descrição de uma coroa solar durante um eclipse, os pesquisadores tentam verificar sua plausibilidade através desses modelos. Se as simulações iniciais não correspondem, isso pode revelar imprecisões nos dados de entrada, tais como as coordenadas geográficas do local de observação. No caso do eclipse de 709 antes de nossa era, uma correção de oito quilômetros na posição da antiga capital foi necessária.
Esses ajustes permitem melhorar a precisão das reconstruções astronômicas. Integrando elementos de história e arqueologia, os cientistas refinam seus modelos para refletir melhor as condições reais da época. Esta abordagem interdisciplinar reduz as margens de erro no estudo da rotação terrestre e de outros parâmetros dinâmicos.
Os benefícios dessas correções se estendem a diversos campos, como a cronologia histórica e a geofísica. Estabelecendo datas mais confiáveis para os eventos celestes, pode-se sincronizar os calendários antigos e entender melhor a evolução de nosso planeta. Esses progressos mostram a importância de cruzar as fontes para avançar no conhecimento.
Fonte: Astrophysical Journal Letters