Há mais de um século, os astrónomos observam o jato luminoso de matéria escapando do núcleo da galáxia elíptica gigante M87. O telescópio espacial James Webb acaba de oferecer a visão infravermelha mais nítida já obtida deste fenómeno.
Esta observação revela detalhes inéditos sobre o jato propulsionado pelo buraco negro central, incluindo a deteção do seu gémeo esquivo estendendo-se na direção oposta. A imagem capturada mostra uma fita rosa brilhante desdobrando-se sobre um fundo violeta nebuloso, com nós brilhantes marcando as zonas onde as partículas atingem velocidades próximas da da luz.
O telescópio James Webb revela o jato de M87 (rosa) estendendo-se sobre um fundo violeta, com nós, torções e até um contrajato fraco emanando do buraco negro galáctico.
Crédito: Jan Röder, Maciek Wielgus et al., Astronomy & Astrophysics (2025)
Pela primeira vez em luz infravermelha, Webb capturou o contrajato situado a cerca de 6 000 anos-luz do buraco negro. Esta estrutura aparece extremamente fraca e difícil de detetar porque se afasta de nós a uma velocidade próxima da da luz, o que torna a sua radiação mais discreta. A galáxia M87, distante 55 milhões de anos-luz e descoberta por Charles Messier no século XVIII, alberga no seu centro o buraco negro supermassivo M87*, tornado famoso em 2019 pela sua primeira "fotografia" direta.
A equipa de investigação liderada por Jan Röder utilizou o instrumento NIRCam do telescópio Webb para imagear o jato em quatro bandas infravermelhas diferentes. Subtraindo meticulosamente a luz das estrelas, a poeira e as galáxias de fundo, os cientistas obtiveram o retrato infravermelho mais detalhado já realizado do fluxo de M87. Perto do núcleo galáctico, o jato adota uma forma helicoidal com estruturas complexas revelando a dinâmica das partículas.
Os novos dados confirmam que o jato brilha graças à radiação síncrotron, um tipo de luz emitida por partículas carregadas em espiral dentro de campos magnéticos. Analisando as subtis variações de cor através das diferentes bandas infravermelhas, a equipa pôde traçar como as partículas se aceleram, arrefecem e torcem ao longo do jato. Estas observações oferecem informações preciosas sobre os processos físicos extremos que ocorrem perto dos buracos negros supermassivos.
Estes jatos cósmicos constituem laboratórios naturais para estudar a física dos ambientes mais extremos do Universo. Propulsionados pela energia dos buracos negros supermassivos, eles podem acelerar partículas a energias bem superiores às que podemos produzir na Terra. Compreender estes fenómenos ajuda os astrónomos a desvendar os mistérios da influência dos buracos negros nas suas galáxias hospedeiras e na distribuição da matéria no espaço intergaláctico.
A radiação síncrotron
A radiação síncrotron é um tipo particular de luz emitida quando partículas carregadas, como eletrões, se deslocam a velocidades relativistas num campo magnético. Ao contrário da luz térmica produzida pelo calor, esta radiação resulta da aceleração das partículas que seguem trajetórias curvas sob a influência das forças magnéticas.
Este fenómeno ocorre naturalmente no espaço em torno de objetos astrofísicos extremos como os buracos negros, mas também é reproduzido na Terra em instalações especializadas chamadas... sincrotrões. Estes grandes instrumentos científicos permitem aos investigadores estudar a estrutura da matéria à escala atómica e molecular utilizando esta radiação intensa.
No caso do jato de M87, a radiação síncrotron permite aos astrónomos mapear a estrutura dos campos magnéticos e compreender como a energia é transferida do buraco negro para o jato. A cor e a intensidade desta luz fornecem informações sobre a velocidade das partículas e a força dos campos magnéticos presentes.
O estudo desta radiação em diferentes domínios espectrais, do infravermelho aos raios X, oferece uma visão completa dos processos de aceleração de partículas no Universo, revelando detalhes impossíveis de observar com outros métodos.
Fonte: Astronomy and Astrophysics