A luta contra as picadas de cobras venenosas, flagelo sanitário importante nas regiões tropicais, pode conhecer uma virada decisiva graças às biotecnologias. Uma abordagem inovadora, libertando-se dos métodos tradicionais de produção, abre a perspectiva de tratamentos mais seguros e mais eficazes. Este avanço baseia-se na engenharia de proteínas particulares, oferecendo uma alternativa direcionada e ética aos soros clássicos.
Esta descoberta científica, fruto de uma colaboração internacional, marca uma etapa significativa na conceção de terapias recombinantes. Ao concentrarem-se nas cobras elapídeas de África, como as cobras-capelo e as mambas, os investigadores desenvolveram um anticorpo sintético. O objetivo é suprir as limitações dos antídotos existentes, cuja fabricação depende ainda amplamente da imunização de animais como os cavalos, um processo com mais de um século.
Uma inovação biotecnológica direcionada
O coração desta nova terapia reside na utilização de nanocorpos naturalmente produzidos pelos camelídeos. O seu pequeno tamanho e a sua estabilidade conferem-lhes propriedades vantajosas para neutralizar as toxinas do veneno. Para os obter, os cientistas imunizaram uma alpaca e um lhama com venenos de várias cobras, e depois identificaram os genes responsáveis pela produção dos nanocorpos mais eficazes.
A partir desta biblioteca genética, a equipa selecionou 8 nanocorpos específicos, capazes de reconhecer e bloquear 7 famílias de toxinas diferentes. Esta seleção permite constituir uma mistura definida e reproduzível, ao contrário dos soros tradicionais cuja composição pode variar de lote para lote. A produção faz-se depois em laboratório, sem necessitar de recolhas repetidas em animais.
Os testes pré-clínicos, detalhados na revista
Nature, demonstraram uma eficácia notável. O coquetel de nanocorpos protegeu ratos contra os venenos de 17 das 18 espécies de cobras elapídeas testadas. Não só impediu a morte, como também reduziu significativamente as necroses teciduais, um dano comum e incapacitante que os tratamentos atuais muitas vezes têm dificuldade em travar.
Uma esperança para as populações vulneráveis
O impacto potencial desta descoberta é imenso para a saúde pública. A Organização Mundial da Saúde classifica a picada de cobra entre as doenças tropicais negligenciadas mais mortíferas, causando dezenas de milhares de mortes anuais e tantas incapacidades permanentes. As comunidades rurais da África subsaariana e do sul da Ásia são as mais afetadas, com um acesso limitado a cuidados adequados.
A produção recombinante oferece um caminho para uma melhor acessibilidade terapêutica. Ao padronizar a fabricação, poderia permitir reduzir os custos de produção e obter um produto de qualidade constante. Esta abordagem elimina também os riscos de efeitos secundários ligados às proteínas animais estranhas, muitas vezes presentes nos soros clássicos e responsáveis por reações indesejadas.
Embora promissor, este tratamento necessita ainda de desenvolvimentos antes de uma aplicação clínica. As próximas etapas consistirão em otimizar a produção em grande escala e validar a inocuidade e a eficácia no ser humano. Os investigadores trabalham já em formulações similares para direcionar as cobras de outras regiões do mundo, com a ambição de transformar duravelmente o tratamento desta emergência médica.
Autor do artigo: Cédric DEPOND
Fonte: Nature