O enigma centenário da matéria escura, essa substância invisível que supostamente mantém a coesão das galáxias, acaba de receber uma nova pista promissora graças às tecnologias modernas.
Os cientistas podem estar prestes a confirmar a existência dessa matéria indescritível. Simulações computacionais recentes indicam que um brilho fraco detectado no coração da Via Láctea pode corresponder à assinatura tão procurada da matéria escura. Moorits Muru, responsável pelo estudo realizado no Instituto Leibniz de Astrofísica de Potsdam, considera que esta pista parece particularmente credível, embora difícil de provar definitivamente.
Vista de artista anotada da Via Láctea.
Imagem ESO.
A matéria escura constitui aproximadamente 27% da matéria do Universo, mas permanece indetetável diretamente porque não absorve nem reflete a luz. As novas simulações revelam que a sua distribuição perto do centro galáctico não é esférica como se supunha, mas achatada e ovoide. Esta forma corresponde estranhamente ao padrão de raios gama observado pelo telescópio espacial Fermi da NASA, um sinal anormalmente intenso detetado desde 2008 e que se estende por quase 7000 anos-luz.
Duas hipóteses principais competem para explicar esta emissão gama: colisões de partículas de matéria escura chamadas WIMPs, ou a atividade de estrelas de neutrões que giram muito rapidamente chamadas pulsares de milissegundo. Os pulsares pareciam privilegiados porque a sua distribuição correspondia bem às observações, mas os novos cálculos mostram que a matéria escura também pode adotar esta configuração particular.
A equipa reconstituiu a formação da Via Láctea em supercomputadores, incluindo as colisões galácticas que marcaram a sua história. Estes eventos violentos imprimiram a sua assinatura na distribuição da matéria escura, dando-lhe esta forma achatada que agora corresponde perfeitamente aos dados do Fermi. Os investigadores salientam que os dois cenários – matéria escura e pulsares – tornam-se quase impossíveis de distinguir com os instrumentos atuais.
A próxima geração de observatórios, como o Observatório da Rede de Telescópios Cherenkov (CTAO) que entrará em serviço no final da década de 2020, poderá resolver o debate. A sua resolução superior permitirá diferenciar as assinaturas energéticas dos pulsares das partículas de matéria escura. Observações complementares sobre as galáxias anãs que orbitam a Via Láctea também trarão elementos decisivos para esta grande busca científica.
Os WIMPs, principais candidatos da matéria escura
Os WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles) representam uma das hipóteses mais sérias para explicar a natureza da matéria escura. Estas partículas hipotéticas interagiriam muito fracamente com a matéria ordinária, o que explicaria porque permanecem indetetáveis apesar da sua presumível abundância.
A sua massa seria considerável comparada com a das partículas padrão, talvez centenas de vezes superior à de um protão. Esta propriedade torná-las-ia particularmente estáveis e difíceis de produzir em laboratório, mas a sua aniquilação mútua poderia gerar radiações detetáveis como os raios gama observados no centro galáctico.
As teorias supersimétricas, extensões do modelo padrão da física de partículas, preveem naturalmente a existência de tais partículas. A sua descoberta revolucionaria a nossa compreensão do Universo nas suas escalas mais pequenas e maiores.
Muitas experiências subterrâneas como XENONnT e LZ tentam capturar o raro recuo que um WIMP produziria ao colidir com um núcleo atómico, enquanto os observatórios de raios gama como o Fermi procuram os sinais indiretos da sua aniquilação.
Fonte: Physical Review Letters