Uma memória de infância que nunca se apaga, a capacidade de reviver um dia distante como se tivesse acabado de acontecer: algumas pessoas são capazes disso. Sua memória, diferente da nossa, oferece um vislumbre único de como o cérebro apreende o tempo.
No caso de T. L., uma adolescente francesa de 17 anos, essa faculdade tomou a forma de uma verdadeira viagem mental através de sua existência. Os pesquisadores que estudaram seu caso descrevem uma memória autobiográfica fora do comum, capaz de fazer reviver o passado com uma intensidade impressionante, mas também de antecipar o futuro com um realismo perturbador.
Uma memória que constrói a identidade
A memória autobiográfica desempenha um papel essencial na formação do sentimento de si. Ela conserva os episódios vividos e os relaciona a uma estrutura temporal que estrutura a identidade. Para a maioria dos indivíduos, essas memórias se transformam, se apagam ou se recompondem ao longo do tempo.
Nas pessoas com hipertimesia (são menos de uma centena no mundo), esse processo assume outra dimensão. As memórias parecem classificadas com uma precisão extrema, frequentemente associadas a uma data precisa e a detalhes sensoriais intensos. Cada instante da vida pode ser convocado quase que sob demanda.
T. L. apresenta uma particularidade adicional: ela parece dispor de um controle sobre a maneira como acessa suas memórias, o que não é o caso de todas as pessoas hipertimésicas. De fato, esse domínio difere de muitos casos relatados, onde o acúmulo de imagens e emoções se revela mais invasivo do que construtivo.
O palácio interior de T. L.
Para descrever seu funcionamento, T. L. fala de dois tipos de memória. Sua "memória preta" reúne os conhecimentos escolares e factuais, desprovidos de coloração emocional. Sua "memória branca" corresponde a experiências pessoais, ricas em sensações e afetos.
Essas memórias se organizam em uma "sala branca" imaginária onde são guardadas em pastas classificadoras por temas e períodos. A adolescente pode encontrar lá momentos de férias, cenas familiares ou objetos de infância associados a detalhes precisos.
Para gerir a intensidade emocional, ela criou espaços mentais distintos. A morte de seu avô é conservada em um baú, enquanto uma sala "congelada" serve para acalmar sua raiva. Esse sistema ilustra uma tentativa de regulação consciente de memórias por vezes pesadas para carregar.
Avaliar uma memória fora do comum
Os pesquisadores dispõem de ferramentas padronizadas para analisar a riqueza e a precisão das memórias. Eles submeteram T. L. a dois testes: TEMPau, que mede a capacidade de reviver os episódios pessoais, e TEEAM, que avalia a navegação mental no passado e no futuro.
Os resultados mostram uma intensidade notável. T. L. revive suas memórias ora como atriz, ora como observadora externa, o que lhe permite multiplicar os ângulos de releitura. Suas projeções no futuro também contêm uma densidade de detalhes incomum.
Essas observações reforçam a ideia de que os mecanismos usados para lembrar e os mobilizados para antecipar repousam em circuitos cerebrais comuns. As informações sensoriais parecem ocupar ali um lugar central.
Autor do artigo: Cédric DEPOND
Fonte: Neurocase