Um estudo recente publicado na
Nature combina os dados de dois experimentos importantes - NOvA nos Estados Unidos e T2K no Japão - para observar com precisão sem precedentes como os neutrinos, partículas capazes de atravessar quase toda a matéria como se ela não existisse, mudam de identidade durante sua viagem.
Estas partículas elementares existem em três formas distintas: eletrônica, muônica e tauônica, e sua capacidade de se transformar de um tipo para outro intriga profundamente os físicos. Esta metamorfose, chamada oscilação de neutrinos, poderia conter a chave para entender por que nosso Universo é constituído principalmente de matéria em vez de antimatéria.
O experimento NOvA propulsiona um feixe de neutrinos muônicos através do solo desde Illinois até Minnesota por uma distância de 800 quilômetros, enquanto o T2K envia seus neutrinos através das montanhas japonesas. Estes trajetos diferentes permitem aos cientistas estudar as oscilações sob diversas condições energéticas e distâncias. Zoya Vallari, física da Universidade Estadual de Ohio, compara este fenômeno a um sorvete de chocolate que se transformaria continuamente em sabor menta e depois baunilha enquanto caminhamos pela rua.
Os pesquisadores buscam particularmente determinar se os neutrinos e suas antipartículas se comportam de maneira diferente, um fenômeno chamado violação da simetria Carga-Paridade. A confirmação desta assimetria explicaria por que a matéria dominou a antimatéria após o Big Bang. Embora os resultados atuais ainda não forneçam uma resposta definitiva, eles representam um avanço significativo em nossa compreensão destas partículas fundamentais.
Esta colaboração entre equipes normalmente concorrentes demonstra a importância dos desafios. John Beacom, professor da Ohio State, ressalta que a complexidade destes trabalhos requer a participação de centenas de pesquisadores. Os dados combinados dos dois experimentos oferecem uma perspectiva mais completa do que um único estudo isolado, preparando o terreno para a futura geração de detectores de neutrinos atualmente em desenvolvimento.
Os físicos continuarão a refinar suas análises com novos dados, construindo gradualmente as fundações das próximas descobertas que poderiam revolucionar nossa visão do Universo. Como lembra Zoya Vallari, além das aplicações tecnológicas, é a curiosidade humana de entender nossas origens e nosso lugar no cosmos que motiva estas pesquisas ambiciosas.
A oscilação dos neutrinos
A oscilação dos neutrinos designa a capacidade surpreendente destas partículas de mudar de tipo durante seu deslocamento. Este fenômeno quântico implica que os neutrinos não possuem massa claramente definida, mas existem em um estado de superposição de seus três "sabores".
A descoberta desta propriedade valeu o prêmio Nobel de física em 2015 e forçou os cientistas a revisar o Modelo Padrão da física de partículas. As oscilações ocorrem porque os estados de sabor e os estados de massa dos neutrinos não coincidem perfeitamente.
Este mecanismo explica por que detectamos menos neutrinos emitidos pelo Sol do que o previsto - alguns se transformaram em tipos indetectáveis durante sua viagem desde o Sol. O estudo preciso dos parâmetros de oscilação permite medir as diferenças de massa entre os três tipos de neutrinos.
A compreensão detalhada destas oscilações abre caminho para novas físicas além do Modelo Padrão atual, potencialmente reveladoras de simetrias fundamentais do Universo.
A violação CP nos neutrinos
A violação da simetria Carga-Paridade (violação CP) representa uma das buscas mais importantes da física moderna. Este fenômeno ocorre quando as leis físicas tratam diferentemente as partículas e suas antipartículas.
Nos neutrinos, a violação CP se manifestaria se as oscilações dos neutrinos e dos antineutrinos seguissem probabilidades diferentes. Esta assimetria poderia explicar o desequilíbrio matéria-antimatéria observado no Universo.
O Big Bang deveria ter produzido quantidades iguais de matéria e antimatéria, que deveriam ter se aniquilado mutuamente. A existência de nosso Universo feito de matéria sugere que um mecanismo eliminou a antimatéria, e os neutrinos poderiam ser os atores principais.
A detecção definitiva da violação CP nos neutrinos necessitará de experimentos ainda mais precisos, como os previstos com os futuros detectores de nova geração atualmente em construção em vários países.
Fonte: Nature