Adrien - Terça-feira 23 Setembro 2025

💀 Esta cabeça cónica mumificada revela uma história perturbadora

Os investigadores utilizaram métodos não invasivos para estudar uma cabeça mumificada cónica descoberta na Bolívia há mais de um século, preservando assim a sua integridade.

Determinaram que se tratava de um homem adulto falecido há pelo menos 350 anos, pertencente à cultura Aymara e não Inca. Na sua infância, sofreu uma deformação craniana, uma prática comum na América do Sul pré-colombiana que consistia em apertar fortemente o crânio dos bebés para lhe dar uma forma cónica.


A cabeça mumificada boliviana, com a sua forma cónica distintiva e incisões cranianas visíveis.
Crédito: Abegg et al. 2025, Int. J. Osteoarchaeol.; CC BY 4.0

No topo do crânio, incisões profundas indicam uma tentativa de trepanação, um procedimento cirúrgico antigo que visava perfurar o osso craniano. Ao contrário de muitos casos em que esta operação era realizada em resposta a um trauma, aqui, nenhum ferimento é aparente, sugerindo um propósito ritual ou social. A trepanação não foi concluída, sem que se saiba porquê, talvez devido a uma interrupção voluntária ou a uma morte súbita.


A origem da cabeça foi rastreada através de notas de arquivo: foi recolhida na década de 1870 na Bolívia por um colecionador suíço, e depois doada ao museu em 1914. Proviria de uma chullpa, uma torre funerária de pedra típica da região das Terras Altas bolivianas, onde o clima frio e seco permitiu uma mumificação natural. Esta descoberta sublinha a importância de reinserir os restos humanos no seu contexto cultural e histórico.

Os métodos de análise respeitosos, como a imagem não destrutiva, foram privilegiados para honrar a dignidade do falecido, evitando recolhas invasivas. Os investigadores, incluindo Claudine Abegg e Claire Brizon, autoras do estudo publicado no International Journal of Osteoarchaeology, insistem na necessidade de consultar as comunidades locais para qualquer investigação futura, nomeadamente testes de ADN ou isotópicos que poderiam fornecer mais precisão.


Análise tafonómica de um crânio mumificado: vistas do rosto, do pescoço e da bochecha. A pele mostra rasgões naturais ou voluntários, um enrolamento em contacto com o osso e vestígios que evocam danos causados por insetos.

Este estudo abre perspetivas sobre as práticas médicas e rituais das culturas pré-colombianas, mostrando como a trepanação e a deformação craniana podiam cruzar-se. Embora a cabeça não esteja exposta publicamente, permanece nas coleções do museu, à espera de eventuais pedidos de repatriamento por parte dos descendentes Aymara.

Deformação craniana intencional


A deformação craniana era uma prática cultural difundida em várias sociedades antigas, nomeadamente na América do Sul pré-colombiana. Consistia em aplicar uma pressão constante no crânio dos bebés com a ajuda de ligaduras ou tábuas, modificando o seu crescimento para obter uma forma alongada ou cónica.

Este costume estava frequentemente associado a crenças religiosas ou sociais, servindo para distinguir os membros de certas classes ou grupos étnicos. Os crânios deformados eram percebidos como um sinal de beleza, de estatuto elevado ou de conexão com o divino, e podiam variar em intensidade consoante as regiões.


Ao contrário das ideias recebidas, esta prática geralmente não causava danos cerebrais significativos, pois o cérebro possui uma plasticidade que lhe permite adaptar-se à forma do crânio durante a infância. Estudos modernos sobre esqueletos antigos mostram que os indivíduos que sofreram deformação craniana viviam frequentemente até à idade adulta sem deficiências aparentes.

Hoje, a análise destes crânios ajuda os arqueólogos a compreender as migrações e as interações culturais no passado, identificando os estilos de deformação específicos de cada grupo.

Trepananção na Antiguidade


A trepanação é uma das mais antigas intervenções cirúrgicas conhecidas, praticada desde o Neolítico em várias culturas em todo o mundo. Envolvia perfurar ou raspar o osso do crânio para criar uma abertura, frequentemente com a ajuda de ferramentas de pedra ou metal.

As razões para esta prática eram múltiplas: tratar traumatismos cranianos, aliviar dores de cabeça ou pressões intracranianas, ou realizar rituais espirituais visando expulsar maus espíritos ou facilitar a comunicação com o sobrenatural. Em alguns casos, era realizada em indivíduos saudáveis num contexto cerimonial.

As técnicas variavam consideravelmente, desde simples incisões a perfurações completas, e a taxa de sobrevivência era surpreendentemente elevada, como atestam os sinais de cicatrização óssea observados em muitos crânios antigos. Isto sugere uma certa perícia dos praticantes da época, que deviam dominar a anatomia e evitar vasos sanguíneos críticos.

Fonte: International Journal of Osteoarchaeology
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