A Agência Espacial Europeia acaba de realizar a simulação de clima espacial mais extrema já concebida, um cenário catastrófico onde nenhuma espaçonave sobreviveria intacta a uma tempestade solar de violência inédita, porém plausível.
Esta simulação de escala sem precedentes ocorreu no centro de controle de missões da ESA em Darmstadt, Alemanha. As equipes confrontaram seus sistemas satelitais com uma tempestade solar de intensidade comparável ao evento Carrington de 1859, a mais poderosa perturbação geomagnética já registrada. Thomas Ormston, diretor adjunto de operações para a missão Sentinel-1D, enfatizou que em caso de tal evento, o objetivo principal seria proteger os satélites enquanto minimizava os danos, pois nenhuma solução ideal existiria diante de tal catástrofe espacial.
A missão Parker Solar Probe estuda o Sol de perto.
Crédito: NASA GSFC/CIL/Brian Monroe
O cenário simulado apresentou uma tripla ameaça solar devastadora cujo roteiro segue abaixo.
Uma erupção solar de classe X, a categoria mais energética, atinge a Terra em apenas oito minutos, perturbando imediatamente os sistemas de comunicação e localização. Esta primeira onda é seguida por um bombardeio intenso de partículas de alta energia - prótons, elétrons e partículas alfa - que impacta todos os satélites em órbita, provocando mau funcionamento eletrônico e danos materiais potenciais.
Aproximadamente quinze horas após a erupção inicial, uma ejeção de massa coronal de magnitude excepcional atinge o campo magnético terrestre. Esta colisão provoca uma expansão significativa da atmosfera superior do nosso planeta, aumentando o arrasto atmosférico nos satélites em até 400%. Esta modificação brusca das condições orbitais desestabiliza as trajetórias das espaçonaves, multiplicando os riscos de colisões e reduzindo consideravelmente sua vida operacional.
Jorge Amaya, coordenador de modelagem do clima espacial na ESA, explicou que o fluxo energético colossal emitido pelo Sol poderia danificar toda a nossa frota de satélites. Mesmo os satélites em órbita baixa, normalmente protegidos pelo campo magnético terrestre, não seriam poupados por um evento da magnitude de Carrington.
Gustavo Baldo Carvalho, responsável principal da simulação para o Sentinel-1D, insistiu no caráter inevitável de tal evento. O exercício demonstrou como uma grande tempestade solar poderia desencadear falhas em cascata afetando todos os sistemas espaciais, desde a perda de satélites até a degradação dos sistemas de navegação e comunicações essenciais. Diante desta perspectiva, a ESA desenvolve sua rede de monitoramento e prepara a missão Vigil prevista para 2031.
As ejeções de massa coronal
As ejeções de massa coronal representam explosões colossais ocorrendo na coroa solar, esta camada externa da atmosfera do Sol. Estes fenômenos projetam no espaço bilhões de toneladas de plasma solar, um gás ionizado composto principalmente de elétrons e prótons, que viaja a velocidades podendo atingir vários milhões de quilômetros por hora.
Quando estas nuvens de partículas carregadas atingem a Terra, elas interagem com nosso campo magnético, criando correntes elétricas intensas na ionosfera e magnetosfera. Esta interação pode gerar auroras polares espetaculares mas também induzir correntes parasitas nas redes elétricas terrestres e oleodutos.
A energia liberada durante uma ejeção de massa coronal maior equivale a milhões de bombas nucleares explodindo simultaneamente. As mais poderosas destas erupções podem modificar temporariamente a forma do campo magnético terrestre e comprimir nossa magnetosfera no lado voltado para o Sol.
A detecção precoce destes eventos é essencial pois o tempo entre a observação e o impacto na Terra varia geralmente entre 15 e 60 horas, oferecendo uma janela crítica para implementar medidas de proteção das infraestruturas sensíveis.
A proteção dos satélites em órbita
Os satélites modernos integram vários níveis de proteção contra radiações espaciais, concebidos para resistir às condições hostis do ambiente orbital. A blindagem contra radiações utiliza frequentemente materiais de alta densidade como tungstênio ou polímeros especiais que absorvem as partículas energéticas antes que elas atinjam os componentes eletrônicos sensíveis.
Os sistemas eletrônicos dos satélites empregam técnicas de endurecimento às radiações, incluindo circuitos redundantes e memórias protegidas por códigos corretores de erro. Os projetistas utilizam também componentes especificamente testados para resistir aos efeitos cumulativos das radiações, que podem provocar degradações progressivas dos semicondutores.
Em caso de alerta de tempestade solar maior, os operadores podem colocar os satélites em modo de sobrevivência, orientando seus painéis solares para reduzir a exposição às partículas e desativando os sistemas não essenciais. Algumas espaçonaves podem também modificar temporariamente sua altitude orbital para beneficiar de melhor proteção do campo magnético terrestre.
O projeto dos satélites inclui sistemas de isolamento elétrico reforçados para prevenir descargas eletrostáticas, fenômeno comum durante tempestades geomagnéticas onde o acúmulo de cargas na superfície dos satélites pode criar arcos elétricos destrutivos.
Mas tudo isto não permite atualmente resistir completamente a um cenário catastrófico como o simulado pela ESA.
Fonte: Agência Espacial Europeia