Sob as rochas da Austrália, fósseis microscópicos com 3,45 mil milhões de anos revelam como poderia ser a vida mais primitiva, num ambiente privado de oxigénio ou luz. Um estudo realizado por uma equipa de cientistas do CNRS e da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, esclarece hoje a busca por vestígios de vida primitiva não apenas na Terra, mas talvez também em ambientes semelhantes noutros locais do Sistema Solar.
Na Terra, a vida surgiu muito cedo, numa época em que o nosso planeta era apenas um mundo quente, bombardeado por radiações ultravioleta. Estas condições, sem dúvida comuns a outros planetas rochosos como Marte, poderão ter favorecido o surgimento de formas de vida simples: micróbios que se alimentam e obtêm a sua energia apenas da oxidação de matéria mineral.
É com esta perspetiva que uma equipa do Centro de Biofísica Molecular de Orleães (CNRS), em colaboração com a Universidade de Newcastle, revisitou um local emblemático e muito bem preservado do noroeste australiano, o Kitty's Gap Chert, formado em sedimentos vulcânicos costeiros com 3,45 mil milhões de anos.
Ao analisar estas rochas, os cientistas identificaram minúsculas estruturas esféricas, com apenas um micrómetro, associadas a moléculas orgânicas contendo carbono, hidrogénio, oxigénio, azoto e silício. Estas assinaturas químicas e a sua organização em torno de partículas vulcânicas lembram as de colónias de micróbios litotróficos, capazes de extrair os nutrientes necessários e a sua energia da oxidação de matéria vulcânica mineral. Tudo indica que estas células fossilizadas constituem as células microbianas mais antigas conhecidas na Terra.
Desde 2000, a equipa estuda estas bactérias fósseis, mas teve de aguardar pelo desenvolvimento de um instrumento suficientemente sensível para poder, em colaboração com a indústria Ionoptika perto de Southampton, analisar no local as quantidades mínimas e muito degradadas de matéria orgânica diretamente ligadas às estruturas fósseis.
Pequena colónia de células fossilizadas nos sedimentos do Kitty's Gap Chert recolhidos no Pilbara, Austrália, com 3,45 mil milhões de anos.
© Frances Westall
Para isso, os cientistas combinaram a imagem por microscopia eletrónica de varrimento e depois a espetrometria de massa de iões secundários em cluster (Cluster secondary ion mass spectroscopy ou Cluster-SIMS), um método que deteta vestígios de elementos ou moléculas na superfície através de um bombardeamento iónico. Foram encontrados fragmentos moleculares contendo todos os elementos C, H, N e O, essenciais à vida na Terra, e uma repetição do número de átomos de carbono, que sugerem restos de matéria orgânica proveniente de seres vivos.
Além disso, o facto de algumas destas moléculas estarem ligadas a silício demonstra que as estruturas biológicas foram fossilizadas
in situ pela sílica (SiO
2), o que era normal para os seres vivos naqueles tempos remotos e que elimina a possibilidade de uma contaminação mais recente. Passaram-se, portanto, 25 anos entre a primeira interpretação destes fósseis e a demonstração definitiva da sua biogenicidade.
Um avanço como este tem ressonâncias muito para além do nosso planeta. Se a vida pôde prosperar nestes ambientes vulcânicos primitivos, também poderia ter surgido em Marte ou nas luas geladas de Júpiter e Saturno. Mas detetar tais formas de vida, discretas e enterradas, continua a ser um desafio. O novo estudo de Kitty's Gap fornece assim um guia valioso para interpretar as amostras marcianas que as missões como a Perseverance um dia trarão e, quem sabe, descobrir que a Vida também emergiu noutros locais a partir da rocha e da água.
Redator: AVR
Fonte: CNRS INC