Uma forma estranha apareceu no Universo: um duplo anel luminoso, invisĂvel a olho nu, mas perfeitamente discernĂvel para os radiotelescĂłpios. Esta estrutura colossal, mais vasta do que várias galáxias reunidas, poderia redefinir nossa compreensĂŁo dos fenĂ´menos extremos que agitam o cosmos.
Descoberto por uma aliança inédita entre pesquisadores profissionais e astrônomos amadores, este "Odd Radio Circle" — ou ORC — representa o exemplo mais poderoso e mais distante já observado. Sua luz, captada hoje, viajou durante mais de sete bilhões de anos antes de atingir a Terra. Esta descoberta, publicada na revista
Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, esclarece um pouco mais a origem destes misteriosos anéis de rádio que apareceram pela primeira vez nas observações em 2019.
Figura mostrando a fonte de rádio RAD J131346.9+500320 observada a 144 MHz com uma resolução angular de 6".
(a) Imagem LoTSS, onde apenas a emissĂŁo acima do ruĂdo (50 ÎĽJy/beam) Ă© visĂvel; a cruz branca indica a galáxia hospedeira.
(b) Mapa de rádio realçado por filtro de Sobel horizontal e vertical, destacando os gradientes de brilho e estruturas filamentares.
(c) Contornos de rádio LoTSS sobrepostos Ă imagem Ăłptica BASS; dois cĂrculos verdes indicam os anĂ©is, e os cĂrculos ciano pontilhados marcam galáxias de redshift similar.
(d) Mesma vista que (c), mas com as galáxias codificadas em cores de acordo com seu redshift; os dois grandes cĂrculos verdes pontilhados indicam novamente os anĂ©is.
Um fenĂ´meno cĂłsmico ainda mal compreendido
Os ORC se apresentam como cĂrculos gigantescos de emissĂŁo de rádio rodeando uma galáxia, Ă s vezes dez a vinte vezes mais vastos que a Via Láctea. Sua radiação sĂł pode ser detectada na banda de rádio do espectro eletromagnĂ©tico. Estas estruturas sĂŁo formadas por um plasma magnetizado se movendo a velocidades prĂłximas Ă da luz.
As primeiras hipĂłteses relacionavam sua formação a choques provenientes da fusĂŁo de buracos negros supermassivos ou a colisões entre galáxias. Estes eventos, capazes de liberar imensas quantidades de energia, poderiam gerar ondas de choque de rádio visĂveis por milhões, ou mesmo bilhões, de anos-luz.
O novo estudo avança uma explicação diferente: estes anĂ©is proviriam de poderosos fluxos de partĂculas, chamados "superventos galácticos". Estes ventos seriam emitidos por galáxias espirais ativas, onde a energia combinada do buraco negro central e da formação de estrelas expulsa a matĂ©ria na forma de jatos de rádio.
Uma descoberta proveniente da ciĂŞncia participativa
O objeto nomeado RAD J131346.9+500320 foi identificado graças à plataforma RAD@home Astronomy Collaboratory, um programa de ciência cidadã lançado pela Universidade de Mumbai. Este projeto associa voluntários à análise de imagens astronômicas coletadas por instrumentos de ponta.
Os participantes colaboraram com os pesquisadores para examinar os dados provenientes do radiotelescĂłpio europeu LOFAR, composto por centenas de milhares de antenas distribuĂdas por vários paĂses. Funcionando em frequĂŞncias muito baixas, o LOFAR permite sondar o cĂ©u como ele aparecia há bilhões de anos.
Este novo ORC, situado em um desvio espectral de 0,94 (quando o universo tinha metade de sua idade atual), apresenta dois anĂ©is que se cruzam, uma caracterĂstica extremamente rara observada apenas uma outra vez. Sua potĂŞncia de emissĂŁo de rádio e sua distância o tornam uma peça fundamental para compreender a evolução das galáxias ativas.
Primos cĂłsmicos igualmente surpreendentes
Em paralelo a esta descoberta, os pesquisadores revelaram outros dois gigantes de rádio. O primeiro, RAD J122622.6+640622, estende-se por quase três milhões de anos-luz. Seu jato, brutalmente desviado, forma um anel de cem mil anos-luz em sua extremidade.
O segundo, RAD J142004.0+621715, mede aproximadamente 1,4 milhão de anos-luz. Ele apresenta um anel similar na ponta de um de seus jatos, acompanhado por um contrajato mais estreito no lado oposto da galáxia hospedeira.
Estes dois objetos residem em aglomerados de galáxias contendo plasma quente a milhões de graus. As interações entre os jatos de matĂ©ria relativĂstica e este meio denso parecem moldar estas formas espetaculares, relacionando sua aparĂŞncia Ă s dinâmicas de seu ambiente.
Autor do artigo: Cédric DEPOND
Fonte: Monthly Notices of the Royal Astronomical Society