A questão do ovo ou da galinha ganha um viés científico quando se trata de determinar se a produção de oxigênio pela fotossíntese ou seu consumo pelo metabolismo aeróbico (como a respiração) surgiu primeiro. Uma descoberta casual pode trazer uma resposta para esse mistério da evolução.
Uma equipe internacional de investigadores identificou uma molécula que pode ser o elo perdido entre a fotossíntese e o metabolismo aeróbico. Essa molécula, chamada metil-plastoquinona, foi encontrada numa bactéria que utiliza nitrogênio, a Nitrospirota, e apresenta características semelhantes às usadas pelas plantas para a fotossíntese.
As quinonas, moléculas presentes em todas as formas de vida, eram até agora classificadas em duas categorias: aquelas que requerem oxigênio e aquelas que não o requerem. A descoberta da metil-plastoquinona sugere a existência de um terceiro tipo, potencialmente na origem das outras duas.
Esta descoberta lança uma nova luz sobre o Grande Evento de Oxidação, um período há cerca de 2,3 a 2,4 bilhões de anos, quando as cianobactérias começaram a produzir oxigênio em quantidades significativas através da fotossíntese. A presença da metil-plastoquinona em bactérias que respiravam oxigênio antes desse período sugere que algumas bactérias já tinham a capacidade de utilizar oxigênio antes mesmo de as cianobactérias começarem a produzi-lo.
Os investigadores acreditam que essa molécula é uma cápsula do tempo, um fóssil vivo que sobreviveu por mais de 2 bilhões de anos. Ela pode ser a forma ancestral das quinonas, que posteriormente se diversificaram para dar origem às usadas pelas plantas e pelas mitocôndrias humanas.
Este estudo, publicado nos
Proceedings of the National Academy of Sciences, abre novas perspectivas sobre a evolução do metabolismo aeróbico e a forma como os organismos aprenderam a respirar oxigênio com segurança. Ele também destaca a sofisticação dos sistemas químicos que permitem que nossas células sobrevivam num ambiente rico em oxigênio.
Felix Elling, ex-investigador pós-doutoral em Harvard e autor principal do estudo.
Crédito: Felix Elling
Esta pesquisa também destaca a importância dos mecanismos de proteção contra os danos causados pelo oxigênio, que permitiram a diversificação da vida como a conhecemos hoje. A descoberta da metil-plastoquinona pode ser a chave para entender como a vida evoluiu para se adaptar a um mundo rico em oxigênio.
O que é o Grande Evento de Oxidação?
O Grande Evento de Oxidação é um período crucial na história da Terra, ocorrido há cerca de 2,3 a 2,4 bilhões de anos. Ele marca o momento em que as cianobactérias, um tipo de alga, começaram a produzir oxigênio em quantidades significativas através da fotossíntese.
Essa produção de oxigênio transformou radicalmente a atmosfera terrestre, tornando-a rica em oxigênio e propícia à vida aeróbica. Antes desse evento, a atmosfera terrestre era pobre em oxigênio, e a vida era principalmente anaeróbica.
O Grande Evento de Oxidação permitiu o surgimento e a diversificação dos organismos aeróbicos, que utilizam oxigênio para o seu metabolismo. Isso abriu caminho para a complexificação da vida na Terra, levando finalmente ao aparecimento de organismos multicelulares e, muito mais tarde, dos seres humanos.
No entanto, o aumento do oxigênio na atmosfera também provocou mudanças ambientais significativas, incluindo extinções em massa de organismos anaeróbicos que não conseguiam tolerar os níveis elevados de oxigênio.
Como as quinonas influenciam o metabolismo?
As quinonas são moléculas essenciais presentes em todas as formas de vida. Elas desempenham um papel crucial nos processos metabólicos, especialmente na cadeia de transporte de elétrons, que é fundamental para a produção de energia nas células.
Existem dois tipos principais de quinonas: as quinonas aeróbicas, que requerem oxigênio para funcionar, e as quinonas anaeróbicas, que não o requerem. As quinonas aeróbicas são usadas pelas plantas para a fotossíntese e por animais e bactérias para respirar.
A descoberta da metil-plastoquinona, uma terceira variante de quinona, sugere uma transição evolutiva entre as quinonas anaeróbicas e aeróbicas. Essa molécula pode ser um elo perdido na evolução do metabolismo aeróbico.
As quinonas são, portanto, fundamentais para entender como os organismos evoluíram para utilizar o oxigênio de forma eficiente e segura, permitindo assim a diversificação da vida na Terra.
Fonte: Proceedings of the National Academy of Sciences