A "leitura da mente" evoca imagens de scanners futuristas, mas um estudo publicado na
Nature Neuroscience demonstra que um simples vídeo pode ser suficiente.
Usando técnicas de aprendizado de máquina (machine learning), cientistas mostraram, em camundongos, que os movimentos faciais refletem seus pensamentos ocultos. Esta descoberta pode oferecer uma visão sem precedentes do funcionamento do cérebro, mas também sinaliza a necessidade de considerar medidas de proteção da vida mental privada.
O que ela está pensando?
Imagem ilustrativa Pixabay
Ler pensamentos?
É fácil ler emoções em um rosto humano — cada uma tem sua assinatura clara e inequívoca. Mas também podemos adivinhar o que alguém está pensando? Um estudo publicado na
Nature Neuroscience mostra que talvez seja possível, pelo menos em camundongos. Os cientistas mostraram que seus movimentos faciais revelam suas estratégias de pensamento. Segundo eles, é uma prova de que o conteúdo da mente pode ser decifrado a partir de simples vídeos, abrindo caminho para novas ferramentas de pesquisa e diagnóstico.
"Para nossa grande surpresa, descobrimos que poderíamos obter tantas informações sobre o que o camundongo 'pensava' quanto ao registrar a atividade de dezenas de neurônios", disse o autor Zachary Mainen, pesquisador da Fundação Champalimaud em Portugal. "Ter tal acesso aos conteúdos ocultos da mente pode representar uma vantagem importante para a pesquisa cerebral. No entanto, isso também ressalta a necessidade de começar a pensar em regulamentações para proteger nossa vida mental privada."
O que os camundongos pensam?
Em um estudo publicado em 2023, os mesmos cientistas colocaram os camundongos diante de um pequeno desafio: descobrir qual de dois distribuidores de água fornecia uma recompensa açucarada. Como o distribuidor correto mudava regularmente, os camundongos precisavam desenvolver estratégias para fazer a escolha certa.
"Sabíamos que os camundongos podiam resolver esta tarefa usando diferentes estratégias, e podíamos identificar a estratégia usada observando seu comportamento", explica Fanny Cazettes, primeira autora do estudo e atualmente pesquisadora no Centro Nacional de Pesquisa Científica e na Universidade de Aix-Marselha. "Esperávamos que os neurônios no cérebro dos camundongos refletissem apenas a estratégia que estavam usando, mas na verdade, todas as estratégias estavam presentes simultaneamente, independentemente daquela que o camundongo estava usando naquele momento."
Esta descoberta levou a equipe a fazer uma nova pergunta: essas estratégias visíveis no cérebro, poderiam também se refletir no rosto?
O rosto, espelho da mente
Para verificar isso, os cientistas registraram os movimentos faciais dos animais em paralelo com a atividade neuronal em seus cérebros, e então analisaram esses dados usando algoritmos de aprendizado de máquina. Os resultados são impressionantes: os movimentos do rosto eram tão informativos quanto o registro das populações de neurônios.
"O mais surpreendente é que as mesmas expressões correspondiam às mesmas estratégias em diferentes camundongos", destaca Davide Reato, coautor do estudo, pesquisador na Universidade de Aix-Marselha e em Mines Saint-Étienne.
"Isso sugere que alguns padrões de pensamento se traduzem em expressões faciais estereotipadas, um pouco como as emoções."
Uma nova maneira de estudar o cérebro
Para os cientistas, esses resultados abrem caminho para métodos de estudo do cérebro não invasivos, permitindo compreender melhor seu funcionamento em animais, e talvez um dia em humanos. Mas este avanço também levanta questões éticas: em um mundo onde as câmeras estão por toda parte, como proteger nossa vida mental privada?
"Nosso estudo mostra que os vídeos não são apenas gravações de comportamentos — eles também podem oferecer uma janela detalhada sobre a atividade cerebral. Mesmo que isso seja empolgante do ponto de vista científico, também levanta questões sobre a necessidade de proteger nossa privacidade", concluiu Alfonso Renart, autor do estudo e pesquisador da Fundação Champalimaud em Portugal.
Texto original de Liad Hollender, redator científico independente e criador de conteúdo, revisado por Daniel Boujard, delegado científico do CNRS Biologia.
Fonte: CNRS INSB